sexta-feira, 6 de maio de 2016

Caminho Fiel [Pt. 8] Conselheiro e Experiência explicam sobre as pontes

       Seguiu-se mais conversa, em que os peregrinos relataram a seus amigos tudo o que tinham feito depois de terem conhecido um ao outro. Contaram tudo sobre a ponte, como quiseram caminhar por ela, e como tiveram de voltar, depois.
       Quando terminaram o relato deste último cenário, Cristão expressou suas dúvidas:
       “A ponte que encontramos; não foi construída pelos nossos? Nós certamente reconhecemos a madeira nobre, famosa por existir apenas nos bosques do Rei, e da qual Ele utiliza para construir seus Jardins Fechados. Pensávamos que a ponte nos conduziria a um deles.”
       “Bem”, replicou Experiência, “vejo que vocês precisam de conselhos experientes sobre esse assunto, e estamos felizes em ajudar, pois a leitura do Mapa que vocês têm, somente, não lhes pode conceder a prudência de que precisam.”
       “A verdade é que o Rei tem, de fato, seus Jardins Fechados, o qual prepara para alívio dos peregrinos solitários, para dar-lhes forças para caminhar, sendo cada um desses jardins permitido a apenas dois peregrinos, para o desfrutarem, e mais ninguém. É-lhes permitida entrada neles para que espelhem, caminhando juntos, Sua natureza e Seu amor pelas ovelhas. Esses jardins permanecem disponíveis apenas em algumas épocas do ano, acessíveis apenas àqueles viajantes escolhidos pelo Senhor do caminho. Suas entradas e saídas consistem em pontes, as quais são construídas no modelo em que vocês viram; fazem parte, assim, do caminho. Vocês podem sempre reconhecer uma ponte verdadeira, pois está trancada com um cadeado antigo, chamado Dor, o qual pode ser aberto apenas com uma chave muito rara, chamada Amor Incondicional.”
       “Suponho que vocês não viram cadeado algum?”, prosseguiu Experiência.
       “Não”, responderam.
       “Nem possuem chave tal como essa?”
       Hesitaram alguns momentos, e então responderam, envergonhados: “Não”.
    “Experiência”, disse Cristã, “como podemos, então, encontrar ou construir uma ponte verdadeira?”
       “A verdade”, respondeu Experiência, “é que ninguém pode construir para si uma ponte segura que leve a um Jardim Fechado, ainda que tenha a matéria-prima e os recursos para isso, tendo todas as condições favoráveis, e ainda que a disposição de seu companheiro e a sua própria estejam completamente inclinadas para isso.”
       “Então como se explica que os peregrinos conseguem esta graça?”, perguntou Cristão.
       “Bem disse você”, replicou Experiência, “quando a chamou de ‘graça’; pois é apenas o grande Carpinteiro, o príncipe, que pode construir tais pontes. Se o Senhor não edifica-las, em vão trabalham os que as edificam.”
       “Além do mais”, continuou Experiência, “vocês me relataram que se encontraram pouco antes de terem avistado a ponte. Não foi assim?”
       “Sim, nos deparamos com a ponte logo depois de nos conhecermos”, respondeu Cristã.
      “Minhas queridas ovelhas... o que estavam pensando? Acaso não tinham consciência da seriedade daquilo que buscavam?”
       “Tínhamos”, respondeu Cristão, desconfiado.
       “Acaso não sabem que entrar numa ponte é uma decisão muito importante, que afetará todo o caminho? Por que, então, agiram tão precipitadamente, subindo nela com alguém que tinham acabado de conhecer?”
       Ambos apenas escutavam.
       “Vocês correram um duplo perigo: primeiro, o risco de subir numa ponte com um inimigo (pois o caminho está repleto de lobos e falsos amigos, como vocês certamente comprovarão mais à frente); segundo, o de serem motivo de tropeço para um irmão. Vocês não poderiam ter se aventurado numa ponte sem que antes soubessem tudo sobre seu companheiro – planos, virtudes, defeitos, pensamentos e história. Pois, como lutarão como uma só carne, se não conhecerem os defeitos e tentações um do outro? Em verdade digo a vocês, que se não conhecerem um ao outro, sim, tão bem quanto possível, jamais poderão forjar uma chave do Amor Incondicional, da qual falei. A menos que ela seja forjada do metal mais sólido, chamado Confiança, ainda que forjada, ela se quebrará.”
       Envergonhados, ambos escutavam, atentos.
       “Assim, se pretendem algum dia cuidar de um jardim, vocês devem fundir e refinar tal metal precioso, na fornalha da Transparência e Honestidade, purificando-o da escória das mentiras e omissões, que são engano.”
       Havia silêncio no ambiente. Cristão, porém, ainda deixou escapar:
       “Por que, então, o Senhor colocou esse tropeço em nosso caminho, se não o seríamos capazes de suportar? Por que ele permitiu que fôssemos tentados, se não estávamos preparados?” Ao que Conselheiro, tomando a palavra, respondeu:
       “Ouçam, pois: não é bom agir sem pensar; quem tem pressa erra o caminho. Esse foi o erro de vocês. A verdade é que a tolice do homem transtorna o seu caminho, mas é contra o Senhor que seu coração se irrita. De que se queixa, pois, o homem? Queixe-se cada um dos seus pecados.”
       Compungido em seu coração, Cristão sentiu que a tristeza segundo Deus o invadia, inundando-o de arrependimento.

       “Bom”, continuou Conselheiro, “Experiência mencionou que apenas o Rei pode construir as pontes que levem a seus Jardins.”. “Quanto a isso, não lhes resta nada a fazer a não ser preparar-se (e esta é uma tarefa extraordinária, como irão aprender aos poucos, e como espero ensiná-los) e seguir o caminho reto, esperando os desígnios do Senhor. Se estão cansados, e sentem que precisam de alívio, e que cuidariam bem de um jardim, ouçam o meu conselho: orem incessantemente, para que o Senhor do caminho faça a Sua vontade para com vocês, e apliquem-se a serem havidos dignos de forjarem chaves como a que falamos, tarefa dificílima. Quanto ao mais, esperem no Senhor, animem-se, e ele fortalecerá o coração de vocês. Esperem no Senhor.”
       “Seu conselho é fiel, bom amigo, e nós o seguiremos”, afirmou Cristã. “Somos gratos pelo cuidado e alívio que vocês nos têm ministrado. Mas ainda não responderam a pergunta de Cristão.”
       “Que pergunta?”, disse Conselheiro.
       “Sobre a ponte que encontramos. Pelo que vocês nos têm falado, ela não era uma ponte legítima. Como pode isso acontecer? Que era, então, aquilo que encontramos (pois, como disse Cristão, ela parecia tão real)?”
       “Bem lembrado, Cristã”, disse Experiência, retomando a palavra. “Vocês fazem bem em perguntar, pois é benéfico para os peregrinos aprenderem com seus erros passados, os quais lhes servem de disciplina, quando considerados com instrução e arrependimento.”
       “A ponte que viram tem muitos nomes. Ela foi construída pelos artífices da Feira das Vaidades, um antigo centro comercial das nossas terras. Ao longo de muitos séculos, peregrinos de todas as terras caíram em sua armadilha, para se desviarem do Caminho. Alguns a chamaram de Ponte da Vaidade; outros, Ponte do Amor Idólatra, visto que os peregrinos desejavam mais os seus tenros prazeres do que a alegria do caminho; ainda outros a chamaram de Ponte das Paixões da Juventude, da qual um antigo mestre, por nome de Paulo, escreveu, aconselhando seu discípulo a fugir dela. Mas o nome pela qual tem sido mais chamada ao longo destes séculos é simplesmente Ponte da Ilusão, pois não leva os peregrinos a lugar algum, a não ser ao vento.”
       Neste ponto, ambos tinham lágrimas nos olhos, tanto por se envergonharem de terem caído em tal armadilha, tendo perdido tanto tempo em sua caminhada; como por gratidão ao Senhor, que tão bondosamente os trouxera de volta ao caminho certo; percebendo também o quanto este era reto.
       “E o que acontece, então, com os outros que sobem essa ponte? Eles não voltam atrás, como nós o fizemos?”, perguntou Cristão.
      “Na verdade”, continuou Experiência, “são poucos os que voltam antes de sofrerem consequências maiores. Alguns, por se revoltarem contra o Senhor do caminho, voltam da ponte, mas não retornam jamais ao caminho estreito. Outros conseguem retornar, porém levam consigo cicatrizes e manchas que os acompanham pelo resto do caminho, ou pelo menos por uma boa distância. Há também outros que pulam nas águas, esperando encontrar terra firme, e se afogam. Outros, ainda, conseguem nadar até terra firme.”
       “Então estarão seguros, precisando somente encontrar o caminho reto?”, perguntou Cristão.
       “Sinto dizer que não. Acontece que a gruta em que estamos é bastante longa, e jamais os aventureiros que se jogam nas águas naquele trecho poderiam nadar distância tão grande a ponto de chegar ao lugar onde vocês sairão. As únicas terras próximas, para as quais poderiam nadar com segurança, são os jardins babilônicos, imitações dos jardins do nosso Rei, que os ignorantes chamam de Jardins da Felicidade, mas que nós chamamos Jardins de Ruínas; pois não visam dar descanso aos peregrinos em busca da sua amada Cidade, mas tornam-se a morada final dos que neles se acomodam; estas pobres almas desistem, assim, de ganhar a bem-aventurança eterna, trocando-a por uma vida tranquila e de boa companhia, cada um buscando sua própria felicidade. E, assim, com os corações carregados dos cuidados, riquezas e deleites deste mundo, permanecem entretidos em seus jardins. Por fim, esses mesmos jardins acabam por ser sufocados por espinhos, e lá jazem seus donos, em terras de espinheiros e de animais do deserto, habitadas apenas por corujas e chacais.”
       “Ouçam agora, meus filhos”, começou a dizer Conselheiro, “e prestem atenção às nossas palavras; guardem a repreensão, e deem ouvidos à disciplina. Prestem atenção ao caminho; não se desviem nem para a direita nem para a esquerda. Ainda que o caminho seja estreito e difícil, todavia a vereda dos justos é plana. Não desejem no coração os prazeres dos atalhos; antes, sejam como o antigo peregrino, que disse: “Sinto prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias por amor de Cristo. Porque quando sou fraco, então sou forte”. A graça do Senhor vos basta, pois Ele conhece o caminho dos justos, e nele vocês serão prósperos em tudo o que fizerem, pois em todas as coisas são mais que vencedores. Tão somente guardem o que já lhes foi dado, e nisto permaneçam, até que o Senhor os alivie. Jamais se aventurem por qualquer ponte, a não ser que observem duas coisas: (1) que tenham, desde o início de sua subida, plena certeza de que foi o Senhor que a edificou para vocês e a colocou em seu caminho; (2) que tenham em mãos a chave da qual precisam para atravessá-la. Sobretudo, guardem o seu coração, e não se desviem do firme propósito de subir diretamente à Cidade Celestial, a alegria das suas almas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário