sexta-feira, 3 de junho de 2016

Caminho Fiel [Pt. 12] Os peregrinos da Cidade da Vaidade

"Pois não; ouçamos agora. Quem são vocês e de onde vêm?"

Conselheiro acabara de dar suas instruções gerais a todos, e se virava agora ao grupo excêntrico que havia sentado há poucos minutos.

Grupo de peregrinos desconhecidos – nós não somos dignos de estarmos aqui; somos da Cidade da Vaidade, e perseguimos e desprezamos os peregrinos que por lá passaram há algum tempo. Além disso, nos regalamos nos prazeres da vaidade e somos a causa não apenas da pobreza desses peregrinos que conosco sentaram, mas também do sofrimento de muitos dos que aqui se encontram.

Havia certo clima de tensão no ar.

Conselheiro – E de que forma vocês são culpados?

Generoso – Nós somos culpados de roubar e extorquir os pobres e viúvas de muitas terras, que são tributárias da nossa cidade de origem.

Humilde – Também desprezamos o clamor daqueles que eram pequenos à nossa vista.

Simplicidade – Nós estimulamos o luxo e a luxúria entre nossos concidadãos. Fazíamos com que nos fabricassem vestidos de tecidos finos, de linho, púrpura, escarlate e todas as cores, assim como adornos feitos de pérolas, pedras preciosas de todos os tipos, madeira, bronze, ouro e outros metais. Alimentávamo-nos das iguarias mais requintadas que havia. Também desfrutávamos de alta posição entre os moradores de nossa cidade. Inventávamos com frequência os utensílios que deveriam ser usados por todos. Vivíamos de forma regalada e zombávamos daqueles que não podiam ou não queriam aderir à nossa tendência. Deixávamo-los, assim, no desprezo de todos, entregues à solidão, quando não conseguíamos fazê-los escravos da moda e riqueza que nós mesmos criávamos e cultivávamos. Dividimos a nossa cidade entre dois extremos: os pequenos centros, cintilantes de alegria, gala e festividade, e os redutos escuros dos que não eram cidadãos. Assim, oprimimos bastante aqueles que não se alinhavam com nosso amor ao mundo; se não pela opressão direta, pelo desprezo e indiferença.

Sede-de-justiça – Também nos divertíamos em nossos próprios pecados, buscando a maior quantidade possível de prazeres terrenos. Não apenas insultamos, assim, o nosso Criador, como também causávamos tristeza, dor e sofrimento aos peregrinos, na mesma medida em que alcançávamos prazer.

Conselheiro – Como assim?

Sede-de-justiça – Acontece que, a cada vez que pecávamos, os justos que o viam e ouviam (e, muitas vezes, fazíamos questão que o fizessem) se afligiam em sua alma por todas as impiedades que viam e ouviam. Além disso, muitos deles eram levados a tropeçar por causa de nosso mau exemplo, pecando contra seu Senhor e sofrendo sua dura disciplina. Ademais, privamo-los de muitos dos prazeres inocentes que poderiam ter tido, tanto por roubarmos-lhes os meios para isso, como por deixar confusa a consciência deles, a ponto de não conseguirem distinguir entre os princípios de seu Rei e os princípios que nós criávamos. Roubamos também as próprias almas que poderiam ter dado alívio umas às outras, tomando-as de sua solidariedade natural para o nosso reino de devassidão e individualismo; vendíamos homens e almas. Finalmente, acontecia também de nossos pecados gerarem consequências que recaíam não apenas sobre nós, mas sobre eles também. Nossas maldades marcaram permanentemente o coração, o corpo, a mente e a alma de muitos peregrinos do Rei. 

Conselheiro – O que você quer dizer com isso?

Sede-de-justiça – Nós, por exemplo, éramos daqueles que financiavam a construção de pontes falsas, como a que foi vista ontem, pois nossa cidade é filha da outra Grande Cidade, terra próxima daqui, onde existem os jardins de ruínas, e com ela temos acordo de levar peregrinos a seus jardins lascivos. Fora isso, muitas aflições que causamos têm efeito indelével nas almas dos justos. Se quer saber mais como isso se dá, eles mesmos podem explica-lo melhor do que nós, porque só eles conhecem essa dor. É mais fácil sentir uma dor que se recebe, e não uma que se provoca; e o coração conhece a própria amargura. Creio, assim, que nunca saberemos realmente o efeito que nossos pecados têm na alma de outras pessoas.
O fato é que, dessa e de muitas outras formas, promulgávamos e promovíamos o pecado – nas ruas e praças, palanques e livros, palácios, esquinas, calçadas e casas. Tínhamos orgulho de disseminar nosso estilo de vida, que considerávamos a verdadeira liberdade – quando na verdade éramos escravos do pecado e do príncipe deste mundo, fazendo a sua vontade. De fato, pode-se dizer acerca dos cidadãos de nossa cidade que não apenas praticamos a iniquidade, como também aprovamos e aplaudimos aqueles que a praticam.
Em todas essas coisas, nossos prazeres eram diretamente proporcionais ao sofrimento gerado nos justos. Não é à toa, portanto, que diz o hino de nossa província: "Babilônia, a Grande, embriagada com o sangue dos santos". Ouso dizer, até mesmo, que parte do sofrimento por nós gerado recaiu sobre alguns dos peregrinos que aqui se encontram, e talvez os acompanhe até o final de sua jornada.

Todos os olhares estavam fixos, nesse momento, em Sede-de-Justiça. Em meio ao silêncio, quebrado apenas pela sua voz, os ouvintes esboçavam diferentes reações. Por mais que a maioria demonstrasse choque e repulsa ao ouvirem sobre quem eram os novos companheiros, Cristã podia ouvir algumas crianças e jovens que olhavam admirados, cochichando uns aos outros: "são eles realmente os famosos cidadãos de Vaidade, de quem tanto ouvimos falar?"

Conselheiro – Como vocês se sentem em relação a isso, agora?

Humilde – Nós trememos, senhor, e abominamos a nós mesmos.

Sede-de-justiça – Nós nos arrependemos no pó e na cinza.

Generoso – Nós nos arrependemos diante do Senhor e dos companheiros peregrinos, e reconhecemos a nossa culpa. Nosso anseio é, em tudo o que seja possível e além, reparar todo o sofrimento que causamos e restituirmos em múltiplo tudo aquilo que roubamos.

Humilde – Apesar de reconhecermos que cometemos muitos pecados para os quais não há reparação possível.

Mulher Idosa – Fiquem tranquilos. Estamos todos num novo caminho, onde semeamos a justiça. Aqueles que semeiam com lágrimas, para o Espírito, colherão a vida, na cidade onde habita a justiça.

Sede-de-Justiça – Se chegaremos ou não nessa cidade, não sei. Não sei o que temo mais; voltar à minha cidade de origem, ou comparecer diante da porta do céu.

Uma criança, que ali estava, perguntou a eles: “Por que vocês ainda estão usando essas roupas engraçadas?” – pelos olhares dos adultos, Cristão e Cristã podiam perceber que alguns também estavam com a mesma pergunta no ar. Humilde respondeu: “Porque não tínhamos outras vestimentas para vestir, visto que saímos muito apressadamente da nossa cidade.”

Cristã – E por que saíram apressadamente?

Humilde – Nós tínhamos medo de sermos destruídos juntos com a cidade.

Cristã – E por que pensavam isso?

Humilde – Ocorreu que eu encontrei um pergaminho deixado para trás há algum tempo por um homem que havia passado por nossa cidade, de nome Evangelista. Tomando-o e lendo-o, descobri que continha apenas maldições a respeito de nossa cidade, o que me deixou extremamente apavorado.”

Jovem bem vestido – O que ele dizia?

Humilde – Ele dizia muitas coisas, mas todas parecidas; de forma que tudo poderia ser resumido no seguinte: “Dentro em pouco, a Cidade da Vaidade será destruída.” Isso me deixou em tamanha angústia que não consegui dormir ou comer aquela noite. No dia seguinte, já a caminho do portão da cidade, encontrei esses meus três amigos. Respondendo-lhes sobre meu estado (visto que percebiam claramente que eu estava perturbado), contei-lhes o motivo da minha angústia, mostrando também o pergaminho que levava comigo. Lendo-o, eles ficaram ainda mais perturbados do que eu, a ponto de suas pernas e lombos tremerem em pleno calor do dia. Era como se cambaleássemos como bêbados. A única esperança (se havia alguma) seria sair correndo. Sim, de fato corremos, como nunca antes, e não trouxemos conosco bagagem alguma, nem sequer olhamos para trás, mas nos afastamos da nossa cidade para nunca mais voltar.

A atenção de todos os peregrinos era total.

Conselheiro – Não lhes foi dado nenhum conhecimento adicional?

Humilde – Sim, depois de não muito tempo. Assim que saímos dos arredores de nossa cidade, entramos em campo aberto e não sabíamos para onde ir. Graças ao bom Deus, Evangelista estava lá para nos instruir. Graças ao Pai por pessoas assim, que se dispõem a andar por terras perigosas à procura daqueles que estão perdidos e precisam de orientação. Sem ele, não teríamos descoberto o caminho. Ele disse tudo sobre a Porta Estreita, o Calvário, o Caminho, o Arrependimento, o Mundo, o Espírito, a Palavra de Deus, a Cidade Celestial, e muitas outras coisas.

Conselheiro – Vocês são mais do que bem-vindos aqui, meus amigos. Não se constranjam por suas vestes; elas são a prova de seu arrependimento e fé sincera. Ao contrário de nos gerar hostilidade, sua disposição em ter vindo até aqui, sem se importar com mais nada, apenas nos atesta que vocês realmente creram na palavra que leram e ouviram, e que não têm medo de serem expostos nos seus pecados. O peso do arrependimento de vocês é muito maior do que o de seus pecados, no que tange à sua aceitação nesta casa.