quinta-feira, 5 de maio de 2016

Caminho Fiel [Pt. 7] Conversas à mesa

         “Então, o que você fez?”, perguntou Conselheiro.
     “Eu recolhi todos aqueles materiais que achei no caminho”, respondeu Cristão, sobre como percorrera as primeiras léguas da peregrinação. A noite já ia avançada dentro da caverna, e os quatro conversavam animadamente à mesa. “No início”, continuou Cristão, “lamentei muito não ter outros viajantes em minha companhia. Mas, por providência do Senhor, outros peregrinos deixaram pelo caminho vários pergaminhos e livros, com instruções úteis (que suspeito tenham sido deixados propositalmente, para servirem de ajuda para viajantes como eu), assim como um mapa, os quais muito me ajudaram nos trechos seguintes, tanto para me fazer atento contra as ciladas de inimigos, como para dar-me consolo em minha caminhada.”
         “E você, Cristã?”, perguntou Experiência.
         “Bom, eu fui muito ajudada há algumas milhas daqui por um grupo de peregrinos em caravana, os quais me abrigaram ao longo da viagem, enquanto ainda era nova no caminho. Eles me alimentaram e me encheram de provisões de roupas e utensílios para minha expedição. Chego a dizer, com gratidão, que não estaria neste ponto do percurso (pelo menos não agora), não fosse o amor e cuidado que recebi deles nos estágios iniciais de minha jornada. Eles me deram o leite de que precisava para me fortalecer, assim como me ensinaram o poder da oração, a alegria da adoração e a maravilha do primeiro amor. Tenho muitas saudades desse trecho inicial do caminho.”
          “E onde está essa caravana?”, perguntou Conselheiro.
     “Bem... aconteceu que eu, também, encontrei alguns escritos pela estrada, aos quais meus companheiros não davam muita importância. Ocorreu que, lendo as informações que neles havia, aprendi mais sobre o caminho, seu terreno, relevo, sinais e até a geografia dos lugares pelos quais havíamos de passar. Aprendi também sobre habilidades de caminhada, que servem para facilitar o percurso.”
          “E então?”, perguntou Cristão, curioso.
    “Então, procurei ensiná-los acerca dessas coisas; porém, logo descobri que não teria a receptividade que desejava. Alguns dos peregrinos mais velhos pareciam ofendidos pelas novas (na verdade, antigas) instruções que eu havia descoberto, e que procurava ensinar. Sinto que, de alguma forma, pequei na minha insensatez, não sabendo quando falar e quando permanecer em silêncio, e confesso que demonstrei certa arrogância por haver tomado posse daquele conhecimento. Além disso, no meu afã por lutar em favor das verdades que tinha aprendido, esqueci de retribui-los com todo o amor que mereciam, pelo cuidado que me demostraram. Acredito que tive parte da culpa pelo afastamento que veio sobre nós naquele período. Sinto-me mal lembrando-me disso. O fato é que a maneira de caminharmos tornou-se tão diferente que tivermos de nos separar. De posse dos pergaminhos, eu os ultrapassei e, me apressando sozinha, continuei, até chegar na parte silenciosa do caminho onde você, Cristão, me encontrou.”
         “Foi essa a última vez que você os viu?”, perguntou Cristão.
     “Sim, infelizmente não os vi mais. Porém, tenho-os no meu coração, e espero encontra-los novamente um dia, para que possa expressar meu amor e gratidão.”

Um comentário: