quinta-feira, 28 de julho de 2016

Caminho Fiel [Pt. 13] Os pobres


Conselheiro – E vocês, quem são? – Ele se virara, agora, para o primeiro grupo de pessoas com quem havia falado, de aparência pobre.
Choroso – Somos os pobres da terra.
Conselheiro – De onde vêm?
Pobre-de-Espírito – A maior parte de nós não vive em cidade; vivemos nos caminhos e mendigamos; apesar disso, temos pessoas vindas de todas as cidades, países, vilarejos e terras representados aqui por todos os grupos de peregrinos.
Choroso – No nosso caminho até aqui, passamos por um trecho horrível. Tudo lá tem o ar de abandono. Gostaríamos de ter pego a nova estrada aberta pelos servos do Rei, mas fomos impedidos pelos foliões de Vaidade, que a tomaram e não nos deixaram passar. Tivemos, assim, de vir por aquele caminho estranho.
É um lugar horroroso. Apesar de muitos perigos que encontramos lá, é o próprio silêncio do local que o torna mais insuportável. As trevas me cercaram, esmagando a minha alma com uma tristeza intensa. Elas são tão espessas que me impediram de ver os outros peregrinos. É como se a solidão fosse lá levada a um nível quase absoluto, como se não houvesse mais ninguém conosco. Enquanto andava por lá, me senti completamente abandonado.
Conselheiro – Vocês vieram pelo Vale da Sombra da Morte. Todos vocês, que aqui estão, ainda passarão por ele na sua jornada até a Cidade Celestial. Lembrem-se da principal consolação que os levará em vitória por esse vale: a presença do Rei; como está escrito: "não temerei mal algum, pois Tu estás comigo"; e também assim o maior de todos os peregrinos foi consolado: "todos me deixarão só, porém não estou só, pois o Pai está comigo".
Por favor, contem-nos mais de suas histórias.
Desprezado - Eu vim de Vaidade. Eu era um dos que eram desprezados pelos mais ricos de nossa cidade. Muitos viravam o rosto de mim, e tapavam os ouvidos quando eu clamava.
Conselheiro - Pelo quê clamava?
Desprezado - Por comida. Mas não apenas por isso; também por outras coisas, como alegria, amor e cuidado.
Acontece que sou órfão (como a maioria dos meus companheiros), e desde criança tenho vivido sozinho, sobrevivendo como podia. Por viver em Vaidade, aprendi algumas habilidades artísticas para ganhar sustento pelas ruas. Cresci sustentando-me a mim mesmo, por ser órfão, como disse.
Conselheiro - E o que quer dizer quando diz que clamava por amor e alegria?
Desprezado - Por ser órfão, nunca soube o que era ter uma família. Por muitas vezes, andando sozinho pelas praças da cidade, a solidão se abatia sobre mim como uma escuridão gelada, que abafava todo o calor e risos à minha volta. Não foram poucas as vezes que, ainda menino, eu via outras crianças de mãos dadas com seus pais; o que me cortava por dentro, pois nunca tive isso. Daria tudo, naquele tempo, para ter tudo o que elas tinham.
Pobre-de-Espírito - Também eu soube o que era passar fome . Muitas vezes não tinha o que comer, cheguei a dormir pelas ruas, soube o que era comer restos azedos. Sei, porém, que hoje tenho um Pastor que me conduz a seus pastos, e nada me deixa faltar. Sei que, em todos esses momentos que passei, Deus foi fiel, e continua sendo bom. Não entendo muitas coisas, mas dou graças a Ele por tudo. De alguma forma, Ele sempre me deu quando clamei a Ele com fé, e de tudo o que eu dava, Ele me restituía ainda mais.
Houve um tempo em que eu odiei os ricos, atribuindo-lhes a causa dos males no mundo; mas, no fundo, eu os invejava, questionando a Deus por não ter dado a mim os seus bens; na verdade, era neles que estavam meus olhos e meu coração, daí minha inveja. Hoje percebo que sou tão ganancioso quanto qualquer um, e talvez fosse pior do que eles, caso tivesse recebido seus bens, junto com suas tentações. O que me importa é que morri para esse mundo, e toda a sua cobiça, e recebi já nessa vida cem vezes mais do que abandonei.
Conselheiro - Em Cristo, não há pobre nem rico, mas somos todos servos uns dos outros, juntamente com nossos bens. Nisto reconhecemos que somos a família de Deus - não somos amigos por natureza, mas é o Espírito e a Verdade que nos unem - disse, olhando para os ricos peregrinos de Vaidade.