Os Pobres de Espírito São Zombados

Acredito que descobri, já há algum tempo, um fato sobre a pobreza de espírito. Para quem não lembra, é a primeira das bem-aventuranças de Jesus no Sermão do Monte (Mt. 5.3), e, como todas elas, tem dimensões muito profundas, além do primeiro olhar do leitor. Ademais, como muitos conceitos na Bíblia, ela se torna muito mais clara, muito mais palpável, muito mais visível quando encontramos uma forma real em que ela se aplica.

Ser pobre de espírito significa, em geral, olhar para si mesmo como miserável. É reconhecer o quanto você é pecador e inclinado ao mal, o quanto é fraco diante do pecado, rebelde diante de Deus, teimoso diante da repreensão, traidor diante do amor de Deus e dos irmãos. Em harmonia com o caráter maravilhoso e chocantemente paradoxal das bem-aventuranças do Sermão do Monte, é a marca primeira e essencial daqueles que herdam o Reino de Deus.

Existe uma forma bem específica como alguém pode exercer sua pobreza de espírito na prática: na maneira como ele ou ela luta contra o pecado.

Como assim?


O cristão tem uma
premissa que permeia toda a sua luta contra o pecado: ele é fraco. Ele não tem forças em si mesmo para vencer as tentações. Ele busca essa força em Deus, que o santifica. Isso já quebra de cara a falsa impressão que muitos têm do cristianismo e que – infelizmente – é confirmada por muitos evangélicos: de que o cristão é um moralista que vive explodindo de confiança, de certeza, de firmeza, de autoridade contra o mal, de superioridade em relação aos outros. Tudo isso é uma grande farsa. O cristão não é esse santarrão. Antes, é alguém que sofre, que falha constantemente e se entristece por suas falhas. Ele vence, sim, o pecado e poderosamente! Mas, sendo honesto consigo mesmo, diante de Deus e dos outros, não tem outra saída senão reconhecer que ainda é um grande pecador. E que não tem esperança nenhuma de vencer as tentações pela sua força.

Ele não confia na sua religiosidade. Ele não confia no seu apego à própria reputação. Ele não confia nas horas que passa orando, louvando ou lendo a Bíblia. Ele confia em Deus - e sabe que, se não for pela intervenção dEle, cairá no mais horrível escândalo de pecado.

O próprio apóstolo Paulo descreveu essa luta humilhante:

Não entendo o que faço. Pois não faço o que desejo, mas o que odeio. Pois o que faço não é o bem que desejo, mas o mal que não quero fazer, esse eu continuo fazendo. Assim, encontro esta lei que atua em mim: Quando quero fazer o bem, o mal está junto a mim. Pois, no íntimo do meu ser tenho prazer na lei de Deus; mas vejo outra lei atuando nos membros do meu corpo, guerreando contra a lei da minha mente, tornando-me prisioneiro da lei do pecado que atua em meus membros. Miserável homem que eu sou! Quem me libertará do corpo sujeito a esta morte? (Romanos 7:15,19,21-24).

Esse é o cristão. Logo, toda sua estratégia de luta contra o pecado parte da premissa de que ele é fraco.

Isso me leva ao ponto concreto aonde quero chegar: muitas vezes, o cristão, ao invés de "lutar" face a face com o pecado, irá fugir dele. Ele não vai "orar muito antes" e depois enfrentar a tentação. Ele não vai meditar muito antes para então se expor ao mal. Ele vai simplesmente fugir. Ele vai passar longe do pecado, pois sabe que sua carne é fraca.

Logo, a vitória contra os impulsos da carne consistirá, muitas vezes, em simplesmente fugir deles, para início de conversa. A estratégia é nem sequer experimentar a situação hipotética que porventura poderia trazer uma tentação.

O cristão tenta cortar seu próprio pecado (ou, melhor dizendo, a tentação) pela raiz, porque sabe o quanto aquele é enganoso.

Isso pode se dar de muitas formas na prática: talvez signifique nem sequer começar a assistir uma série que você sabe que vai trazer tentações a você; ou nem sequer ver alguns vídeos engraçados no YouTube, quando sabe que mais cedo ou mais tarde haverá, como consequência, sugestões imorais de vídeo. Ou nem sequer se encontrar com determinada pessoa, quando você sabe que isso seria uma tentação para você. Ou nem sequer ficar virado de frente para a TV, quando sabe que ela está mostrando coisas que ferem a sua alma.

E muitas outras infindáveis situações.

As Escrituras falam sobre isso. Veja:


O prudente percebe o perigo e busca refúgio; o inexperiente segue adiante e sofre as consequências. (Provérbios 27:12)

O prudente vê o perigo de longe e foge. Foi o que José fez diante da esposa de Potifar: ele não argumentou com ela, não tentou evangelizá-la, não tentou mostrar para ela o quanto o pecado era ruim. Não tentou ser amigável com ela, para não correr o risco de ela achá-lo grosso, ou não amável, etc. Ele simplesmente fugiu, porque era a única coisa sensata a fazer. Quantos exemplos você já não viu de pessoas inexperientes que, na insensatez da sua juventude, fizeram pouco caso do perigo, acharam que "não tinha nada demais", seguiram adiante e sofreram as consequências?


Veja esses outros versículos:

Fique longe dessa mulher; não se aproxime da porta de sua casa (Provérbios 5:8).
Fujam da imoralidade sexual. (1 Coríntios 6:18).

abstenham-se [mantenham-se afastados] da imoralidade sexual. (1 Tessalonicenses 4:3).


Fuja dos desejos malignos da juventude (2 Timóteo 2:22).

Esses versículos deixam bem claro qual a postura do cris
tão diante da imoralidade. Meu propósito, aqui, não é me concentrar nesse pecado, e sim me referir a todos em geral, mas é verdade que esse é um dos mais sutis e sempre presentes.
Pare um segundo para analisar a si mesmo(a): será que essa é realmente sua postura?

[Tente fazer realmente uma pausa para pensar]

Muitas vezes, nós caímos em pecado, não porque falhamos em ter cortado o pecado em si pela raiz, mas porque falhamos muito antes em cortar pela raiz coisas "inocentes" e "que não faziam mal nenhum", mas cujo propósito era nos conduzir ao estágio mais concreto de pecado.

Às vezes, conscientemente, gostamos de brincar com a tentação e cutucá-la com vara curta, confiando em nosso autocontrole e maturidade, apenas para descobrir o quanto nossa natureza era pior do que imaginávamos e, depois, descobrirmos que desonramos horrivelmente a Deus.

Lembre-se disso: o ponto-chave não é o pecado em si. É a semente de cobiça que surge muito antes, pronta a desfrutar de uma tentação inofensiva (cf. Tg. 1:15).

Assim, Afastem-se de toda forma de mal. (1 Tessalonicenses 5:22).

Até aqui, você está provavelmente concordando razoavelmente com tudo o que eu tenho colocado. Você sabe por quê? Porque até aqui não fui muito específico. Não dei muitos exemplos de aplicação. Quando um texto é aplicado à sua realidade concreta, aí é que ele tem realmente impacto sobre você.

Como este é um texto aberto, endereçado a pessoas indeterminadas, não tenho oportunidade de descer a níveis muito concretos, até porque eu mesmo não tenho tanto conhecimento das muitas formas de aplicação dessas coisas. Essas observações a níveis mais concretos ficarão a cargo de pessoas próximas a você, que mais cedo ou mais tarde te apontarão pecados culturalmente aceitos e tentações rotineirizadas das quais você deve fugir. Por favor, dê ouvidos a esses irmãos. Não presuma que você já sabe das suas capacidades, que cuida bem de si mesmo, ou que a repreensão deles é desequilibrada só porque soa radical para você. Eles, que te conhecem, ou pelo menos conhecem o mundo à sua volta, poderão te falar muito mais sobre as tentações que te ameaçam. Mas, até onde posso, tento dar exemplos concretos: Você já saiu de uma sala de cinema porque viu que aquele filme estava ferindo o Espírito Santo dentro de você, mesmo que isso significasse perder o dinheiro do ingresso e agir com "indelicadeza" para com as outras pessoas que estavam com você? Você já jogou fora livros ou filmes porque sabia que estimulariam pecado? Você já teve coragem de jogar fora roupas que não honravam a Deus?

Enfim, chego aqui ao ponto central do texto. Como o título dele indica, meu foco aqui não é explicar a forma como um cristão age (e deveria agir) diante das tentações; e sim mostrar como essa atitude, uma vez tomada da forma correta, gera zombaria e perseguição por parte dos filhos deste mundo.

apartar-se do mal é abominável para os insensatos. (Provérbios 13:19).

A Palavra diz que os filhos deste mundo odeiam a luz e fogem da luz, para que suas más obras não sejam expostas (João 3:20). Ela também diz que brilhe a luz de vocês diante dos homens, para que vejam as suas boas obras (Mateus 5:16). Logo, uma das formas de iluminarmos o mundo é simplesmente com nossa obediência a Deus. Isso, por si só, causará incômodo e trará perseguição e zombaria.

Como diz o provérbio citado, a mera atitude de fugir do
mal, retirar-se da presença do pecado e correr da tentação é desagradável aos insensatos. Bom, na verdade, a Escritura usa um termo bem mais forte: abominável. Quando ela chama algo de abominável, isso significa que esse algo alcança o último nível de ódio, desprezo e horror por parte de um sujeito.

Você já experimentou a aversão reservada àqueles que se afastam do pecado? "Idiota", "retrógrado", "moralista", "legalista" são muitas palavras que você pode ouvir simplesmente por estar fugindo do mal. Mesmo que não esteja ferindo a ninguém, acusando a ninguém, mas simplesmente levando a sério o perigo do pecado para sua própria vida, você pode despertar a ira de muitos à sua volta - inclusive muitos no meio cristão, pois, indiretamente, mesmo involuntariamente, estará expondo a tolerância e a relação amistosa que eles têm com seus próprios pecados.

Quando alguém ainda não conhece a Cristo, não consegue reconhecer realmente que é fraco. Ele pode até saber o que é escravidão; mas, lutando contra seus vícios, sempre acha que as forças para vencê-los estão nele mesmo ou em outras pessoas que o ajudem. Assim, jamais pode entender o que é fraqueza. Jamais entenderá sequer o que significa lutar contra o pecado. Por isso, quando você se retirar de um lugar porque a TV, a música ou a conversa estão num nível alarmante para seu bem-estar, você poderá ser visto como radical e exagerado.

O mundo zomba de você por você reconhecer suas fraquezas. Quero ter o cuidado aqui para não generalizar, e deixar bem claro que nem todas as pessoas são assim. Muitas vão concordar e até admirar sua atitude de buscar o bem. Portanto, estou falando do “mundo” como um sistema geral, abrigando indivíduos muito diferentes entre si, que têm, porém, uma coisa em comum: sua oposição a Deus. Enfim: no geral, você ouve a zombaria por se reconhecer fraco. Você diz: Eu não vou me expor a determinadas coisas porque me conheço e não quero alimentar o perigo de tropeçar. O mundo responderá: Você é um tolo... cadê sua maturidade? Será que não é capaz de administrar coisas simples assim na sua vida?

Essa sempre será a estratégia do mundo e da serpente: será que você não é capaz de administrar suas próprias ações? Não é capaz de comer do fruto e decidir o que é melhor pra você? Não é capaz de ir em frente e ver aquele filme, e "tirar as espinhas" e absorver só o que há de bom? Não é capaz de ir e se encontrar com pessoas que não deveria, e se abster de pecar? Vamos lá... você não vai fazer nada de errado, certo? Você vai apenas se encontrar com aquela pessoa para conversar. Não há nada de errado nisso. Certamente você não é tolo, infantil, bitolado e fraco o suficiente para ter que cortar essas coisas da sua vida, não é?

Essa é a conversa que o Diabo trará a você quando estiver tentando cortar o mal pela raiz.

Por outro lado, esta é a conversa que o Filho de Deus te traz sobre o pecado:

Se o seu olho direito o fizer pecar, arranque-o e lance-o fora. É melhor perder uma parte do seu corpo do que ser todo ele lançado no inferno. E se a sua mão direita o fizer pecar, corte-a e lance-a fora. É melhor perder uma parte do seu corpo do que ir todo ele para o inferno. (Mateus 5:29,30).

Reflita sobre esse texto, meu irmão, minha irmã. Você é daqueles que diz: "Ah, então vou ter que deixar de assistir essa série? Isso é radical demais!"; "Vou ter que cortar relações com fulano(a)? Claro que não!", ou: "Ah, vou ter que jogar fora meu guarda roupa inteiro, então? Isso é radical demais!"? Se você pensa e fala assim, lembre-se das palavras do próprio Jesus, que disse que se você não estiver disposto até mesmo a arrancar SEU OLHO DIREITO e lançá-lo fora - isto é, QUALQUER COISA, por mais importante que seja, que o leve a pecar – você estará no inferno. Lá haverá choro, lamento, tristeza, gritaria, agonia, ranger de dentes. Você estará abandonado para sempre, e não se lembrará de todas as concessões que fez para seus desejos, em nome de um "equilíbrio" que rejeitava uma visão "radical". Pense nisso quando for falar sobre radicalismo. O verdadeiro cristão deve estar disposto a qualquer coisa para abandonar o pecado - seja sair de um emprego, trancar um curso, mudar de casa, mudar de igreja, perder amigos – QUALQUER COISA. Já vi tantas vezes pessoas que estavam seguindo a Cristo, mas quando olhavam concretamente um objeto que lhes tinha custado meros R$ 50,00 ou R$ 100,00, achavam um absurdo jogá-lo fora por uma questão de fé. Abdicar de qualquer coisa pode significar, também, estar disposto a deletar o WhatsApp ou outras redes sociais, simplesmente para utilizar melhor os dias que Deus te deu e arrancar a raiz do ócio e do desperdício de tempo, por saber que não seria capaz de administrar essa tentação – como é o meu caso.

Outra
 coisa: Não se deixem enganar: as más companhias corrompem os bons costumes (1 Coríntios 15:33). Esse talvez seja um dos versículos mais negligenciados hoje em dia, principalmente entre os mais instruídos, talvez por se acharem acima desse perigo. Porém, não importa o quão “maduro”, intelectual, inteligente, consciente, forte ou espiritual você se ache, o próprio Deus está dizendo que as suas más companhias o corromperão. Supondo estar influenciando, você será sutilmente influenciado ao longo do tempo, até que precise ser envergonhado de volta para o caminho.

Se isso te aju
da, lembre-se do que essas coisas trouxeram como consequências concretas no passado, e veja como Deus te protege através desses mandamentos. Filmes e livros nos influenciam. Então, um dia você percebe que acreditou em alguma mentira aprendida nesses filmes e livros e agiu conforme sua crença. Um dia você percebe que a novela tenta ganhar sua simpatia pelo casal em adultério. Um dia, você percebe que não se choca mais com aquilo que deveria te causar mal-estar, por já parecer tão normal – e talvez você até passe a achar mesmo. Um dia você percebe que sua roupa imodesta suscita olhares sujos, que te humilham e violam e te usam unicamente para servir ao prazer de alguém que não está pensando em você como "Você é uma pessoa especial; quero cuidar de você e amá-la, e estou disposto a sacrificar minha vida por você". Um dia você percebe que, como o Peregrino de John Bunyan, atrasou a sua caminhada por causa de um cochilo descuidado, gerando dificuldades imensas nas partes posteriores do Caminho; ou então, que simplesmente se desviou dele de forma tola e absurda apenas para passar uma temporada no Castelo da Dúvida, na companhia nada agradável do gigante Desespero.

Daí você olha para essas coisas e pensa: “Eu poderia ter vivido sem isso. Eu poderia não ter me contaminado com essas coisas”. E não haverá como mudar o passado.

É tempo de buscarmos uma fé mais radical – com nós mesmos, com nosso pecado. Se você acha que isso é farisaísmo, você ainda não viveu o suficiente para experimentar a dor e a devastação que o pecado traz. Se você é realmente filho(a) de Deus, tenha certeza de que esta dor está a caminho, e vem a seu encontro; pois Ele não retém a disciplina daqueles a quem ama. Arrependa-se e aprenda com a Palavra, para que não tenha que aprender com a vida.

Quando alguma pessoa, ou algum pensamento, disser para você, "será que você é tão infantil e fraco assim, para precisar fugir totalmente dessa situação?", responda: SIM, eu sou fraco SIM, e não tenho vergonha nenhuma de admitir isso. Não tenho vergonha nenhuma de agir da forma como meu Salvador me ordenou, e sei que se eu não for radical com o pecado, ele será radical para arruinar a minha vida, e até mesmo me levar para o inferno. Sim, eu posso até enfrentar a sua zombaria – que, por sinal, produz para mim mais galardão –; mas eu conheço minhas fraquezas, e prefiro cortar e lançar fora da minha vida tudo o que me leva a pecar, mesmo que seja simplesmente o pecado de desperdiçar tempo com coisas inúteis, do que deixar que o pecado me escravize.

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