quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Evangelização e Reforma [3.2] - Patriotismo Institucional


Quando eu fui salvo, em 2009, fui bem impactado pelo evangelho. Em alguns momentos, eu chegava a tremer com as mão geladas ao pensar que algumas pessoas que eu conhecia estariam no inferno. Pensava: “Meu Deus... como posso ficar aqui tranquilo e comer normalmente, sabendo que meu amigo da escola estará no inferno?” Eu não acho que essa angústia seja, em si mesma, ruim. Pelo contrário, todos deveríamos para e refletir sobre isso de vez em quando. Muitas vezes a gente se acostuma com as verdades que já conhecemos e não paramos para pensar: pessoas estão perecendo ao nosso redor.

A verdade é que perdemos a paixão pelas almas. 

Agora, sei que algumas pessoas podem pensar o seguinte: “a minha motivação maior deve ser a glória de Deus, e não o amor pelas almas”. Sim, de fato, nossa motivação maior deve ser a glória de Deus. Mas que isso não exclua em nós o amor por aqueles que estão se perdendo. Uma coisa não exclui a outra; pelo contrário, quando amamos, estamos cumprindo toda a lei. A motivação da glória de Deus não exclui as outras motivações. Algumas pessoas, no afã de conhecer a doutrina reformada, acabam desprezando pontos essenciais da fé. Leitor, preste atenção nisso: se sua doutrina reformada te faz esfriar no amor pelas almas, ela está sendo um instrumento de pecado na sua vida. Precisamos recuperar esse amor pelos que não conhecem a Cristo. Sabe uma boa maneira de fazer isso? Aproxime-se dessas almas, conviva com elas. Misture-se com as pessoas.


O Patriotismo Institucional: É pecado evangelizar a mais de 3km da minha igreja

Talvez essa frase te pareça estranha. Deixe-me explicar. É claro que ninguém pronuncia essa ideia com essas palavras; fui eu quem a escreveu assim, com certo tom de ironia. O que ocorre é o seguinte: muitos pensam que, por fazerem parte de uma igreja local, têm que doar todo o seu sangue para ela e esquecer o resto do mundo. Por exemplo, consideram um pecado grave faltar alguma programação da sua igreja para evangelizar em algum outro contexto (ou para fazer qualquer outra coisa, pra ser mais exato). Elas acreditam que é sempre mais importante varrer uma sala na sua igreja local do que ganhar almas em qualquer outro canto. Por favor, não distorça minhas palavras: eu não estou afirmando que evangelizar é sempre mais importante que outras tarefas na igreja local, de certa forma secundárias. Eu estou apontando o erro de sempre considerar mais importante uma atividade na igreja local do que qualquer atividade fora dela, por mais importante que seja esta, e por mais trivial que seja aquela – sim, eu acredito sim na diferença entre atividades importantes e triviais. Resumindo, esse erro consiste em atribuir, incondicionalmente, maior importância a tudo que seja feito no contexto da própria igreja local. A isso, eu dou o nome de patriotismo institucional. É o que ocorre quando colocamos nossa instituição acima do Evangelho.

Segundo esse pensamento, no momento em que nos tornamos membros de uma igreja local, juramos lealdade a ela de tal forma que colocamos o sucesso daquela instituição específica acima de qualquer outra coisa, como se o nosso dever de servir ao Reino de Deus fosse idêntico ao de servir aquela instituição específica. Dessa forma, os membros devem agir como verdadeiros escravos, sem (quase) qualquer autonomia para decidirem o que fazer com seu tempo semanal; se a igreja marcou quatro programações na semana, o membro deve comparecer às quatro, sob pena de ser visto como negligente, irresponsável e rebelde. Em alguns contextos, o membro tem que praticamente pedir permissão a seu líder para faltar algum culto (!), ou então justificar a posteriori sua ausência com um motivo sério. É quase como se precisasse bater o ponto, para ser considerado fiel. Infelizmente, esse é um dos aspectos nos quais as igrejas evangélicas assumem características que mais lembram seitas do que uma família de irmãos sábios e maduros.

Muitas vezes, a participação dos membros é reduzida ao papel de meros espectadores que aceitam um modelo colocado diante deles, como estudantes de ensino fundamental que precisam assistir todas aquelas aulas da escola, sem ter liberdade nem maturidade suficiente para decidir como administrar seu tempo. Um louvorzão, uma reunião, um estudo, um culto, seja o que for; sua missão como membro é comparecer.

Mas precisamos entender o seguinte: faltar um culto não é pecado. Eu não posso, de forma nenhuma, dizer que sou mais fiel por ter ido num culto numa sexta à noite do que um irmão que preferiu sair com os amigos ou ficar lendo em casa. Ele não tem obrigação nenhuma de vir para o culto. Se ele o faz, é porque se sente feliz com isso; mas se não vier, isso não o torna menos espiritual. Ele pode estar saindo com amigos ou descansando em casa para a glória de Deus. Ninguém é obrigado a ser igual aos outros. Só porque gosto muito de pregações, teologia e doutrina, e estou disposto a estudar isso em quatro reuniões por semana, isso não significa que todos os irmãos devem ser da mesma forma. Nem sequer significa que nós, que gostamos de estudar, devemos manter o mesmo pique todos os anos das nossas vidas. A nossa piedade cristã não pode se tornar religiosidade humana, construída em regras e num modelo fechado de vida que tira a individualidade das pessoas e requer que se amoldem ao mesmo estilo de vida, fala, pensamento e costume. Mais uma vez, a perda da individualidade é uma característica de seitas, e não deve ser imitada pelo corpo de Cristo. A esse assunto, se aplica um pouco aquilo que falei sobre focos: na assembleia, o irmão fiel talvez seja visto como aquele que sempre vai para os cultos matutinos ou de meio-dia, que vai pra consagração, etc. Na Presbiteriana, onde há um foco (até certo ponto, ótimo) na Palavra de Deus, é muito fácil para nós cairmos na armadilha de dizer que só é fiel quem gosta de ir para todas as pregações expositivas e estudos bíblicos, no ritmo mais intenso possível. Se faltou sem um motivo justo, “é porque não está tão interessado na Palavra de Deus”. A piedade cristã, assim, é confundida com intelectualismo – com o quão intelectual, estudioso e livresco um irmão é.

Voltando ao assunto: O que acontece se, mesmo tendo uma programação na minha igreja local, outra oportunidade surge de servir ao Reino em outro lugar (como discipular alguém que não é daquela mesma igreja local ou evangelizar alguém que não mora naquele bairro)?

Alguns me dirão: “Deixe que a igreja daquela pessoa o discipule”. Quando dizem isso, estão provocando divisões no corpo, sufocando o crescimento espiritual da igreja e pedindo que abandonemos irmãos simplesmente pelo fato de fazerem parte de outra igreja local. É como se só a igreja local fosse o Reino de Deus; fora da instituição local, não existisse o Reino.

Muitas vezes, isso é afirmado porque a igreja local é vista como elemento de separação do corpo: faço parte da igreja X no bairro Y; portanto, esse é o foco da minha vida. Não preciso, assim, me preocupar com ninguém mais de outra igreja ou outro bairro – a menos que eu inicie um trabalho de plantio de igreja nesse outro bairro – por sinal, levando a bandeira da minha própria denominação.

Isso é resultado de dois erros: (1) o denominacionalismo (ou patriotismo institucional, como tenho dito); pensar que tudo o que se faz deve estar ligado, conectado, enxertado à instituição local à qual o cristão pertence. Assim, dá-se a impressão de que qualquer obra feita à margem da oficialidade é ilegítima; e (2) acreditar que só a liderança eclesiástica da igreja local tem legitimidade para levar à frente obras cristãs. Mas nas Escrituras, não vemos isso; todos os cristãos são chamados a tomar iniciativa, e o Reino de Deus está em cada um de nós e não é restrito a um clero. Enfim, na Nova Aliança, somos todos sacerdotes, e todos temos legitimidade para operarmos como agentes de reconciliação, onde quer que estejamos.

Além disso, nosso chamado é para fazer missões em todos os lugares, concomitantemente. Perceba que Jesus não falou: "Sereis minhas testemunhas no bairro em que moram em Jerusalém. Depois, evangelizarão a cidade inteira. Quando isso terminar, sereis minhas testemunhas na Judeia. Quando toda a Judeia for evangelizada, então ireis a Samaria. E, por fim, eventualmente chegarão aos confins da terra".

Muitas pessoas entendem dessa forma. Para elas, é uma distorção de valores querer evangelizar um bairro ou uma cidade distante, quando não já evangelizei exaustivamente meu próprio bairro. “Como você vai evangelizar lugar X se você nem evangelizou direito sua família e nosso bairro?”. E, com isso, acabam se acomodando, não fazendo nem uma coisa, nem outra.


A obra é contínua em todos os lugares: "e serão minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judéia e Samaria, e até os confins da terra". (Atos 1:8). Não se trata de etapas ou pré-requisitos a serem sucessivamente conquistados. Assim, somos chamados, como os discípulos foram, a evangelizarmos tanto nossos vizinhos, como pessoas mais ou menos próximas, como desconhecidos em qualquer canto do mundo – tudo isso ao mesmo tempo.

segunda-feira, 7 de agosto de 2017

"Não julgueis" [Pt.2 - Continuação sobre julgamentos levianos]



É muito fácil julgar de fora das situações. Nós, protestantes e reformados, julgamos muito pelas aparências. Vemos e ouvimos uma situação de fora e já temos o veredicto (nem sempre isso será impossível – há exceções). Quando estiver formando uma opinião sobre outro, faça-se as seguintes perguntas: “Já conversei com a pessoa em si sobre suas motivações? Já confrontei-a pessoalmente? Ou simplesmente vi a situação de fora e já tirei conclusões absolutas? Eu sei da situação? Eu estava lá? Eu escutei a versão de cada uma das partes envolvidas?” Tenha muita cautela com detalhes externos que você vê ou ouve de longe: você pode cometer erros.

Acima disso, lembre-se que fofoca é um pecado. Você já considerou interromper um irmão para dizer-lhe que não gostaria de participar da maledicência? 
Não é só ele que peca; também é aquele que lhe dá ouvidos: 

"O ímpio dá atenção aos lábios maus; o mentiroso dá ouvidos à língua destruidora." (Pv. 17.4)

***

Está na hora de finalmente lembrarmos desse trecho (“não julguem”) para entende-lo com profundidade e aplica-lo em nossas vidas. Se você está tranquilamente falando mal de outras pessoas, especialmente de quem você não conhece direito, cuidado: Não julgue, para não ser julgado. Pois a medida que você usa será usada contra você. A posição mais perigosa para um cristão é olhar alguém que cai e pensar: “Eu nunca faria isso”. É nesse momento que você está mais perto de cair.

Tenho enfrentado problemas e visto meus próprios pecados, e por isso, pela humilhação do pecado, tenho ficado cada vez mais lento em julgar quando vejo alguém caindo. Minha tendência em muitos casos era demonizar a pessoa, pensar mal dela, e comentar com outros sobre suas atitudes. Mas tenho visto que minha própria natureza também é capaz de fazer as mesmas coisas, e eu não gostaria que fizessem o mesmo comigo. É muito fácil ver o estopim, o ponto em que alguém cai, e condená-la sem ver todos os outros fatores que envolvem aquela pessoa.

“A misericórdia triunfa do juízo” (Tiago 2:13). Tenha cuidado para não ser implacável e emitir juízos sumários contra os outros. Quando descobrir defeitos de caráter de outros, procure lembrar de seus próprios defeitos crônicos. Vá aprender o que significa: quero misericórdia, e não sacrifício. Fale e aja como quem será julgado pela lei da liberdade; pois o juízo será sem misericórdia sobre quem não foi misericordioso.

Se você vê que pode estar caindo no pecado tão culturalmente comum da fofoca, saiba disso: ele é considerado um pecado gravíssimo pelas Escrituras (Pv. 6:19; Lv. 19:16). Você poder estar destruindo pessoas com a sua língua, pessoas que estão no mesmo processo de santificação que você e que, honestamente, poderiam até te ajudar e serem bênção na sua vida e dos irmãos te cercam, se você não as eliminasse do corpo, causando divisões.

Dessa forma, a fofoca é um ciclo vicioso: emaranha todo o corpo com desconfiança entre membros que seriam úteis uns aos outros não fosse por isso.

O primeiro a apresentar a sua causa parece ter razão, até que outro venha à frente e o questione.” (Provérbios 18:17). Medite nesse provérbio.

quinta-feira, 3 de agosto de 2017

Evangelização e Reforma [3.1] - O perigo do hipercalvinismo



Pois bem; tudo isso me leva agora a apresentar um dos temas reformados, a soberania de Deus, e como o foco exagerado nela pode levar a um entendimento distorcido da realidade. 

É conhecida a história de William Carey, missionário que queria contribuir para a salvação de uma nação distante, imersa no paganismo, levando ele mesmo o evangelho até eles. Como muitos sabem, os próprios líderes da sua igreja o repreenderam e o desprezaram, dizendo: “Você não precisa ir até lá. Se Deus quiser salvar aquele povo, Ele mesmo cuidará disso, e não precisará da sua ajuda”. Esse fato é tido como exemplo de como algumas pessoas tomaram a crença na soberania de Deus e a utilizaram para anular a responsabilidade humana em cumprir seus deveres. É o exemplo icônico para ilustrar o “hipercalvinismo”.

Será que o hipercalvinismo ainda existe hoje?

Infelizmente, eu diria que sim.

Para exemplificar, pensei em quatro afirmações que se aproximam da postura daqueles homens. Quero ressaltar, porém, que não afirmo aqui que elas são feitas com má intenção; são opiniões equivocadas, mas todas as quatro que aqui coloco, ouvi de irmãos queridos que realmente amam a Cristo. Todos nós temos nossos erros graves em doutrina e conduta. Como diz um bom amigo meu, filósofo e poeta: “cada um sabe a heresia e o fervor que tem no coração”.

São elas:

I – “Deus não ama os não eleitos”. Às vezes, estamos tão empolgados em termos descoberto a doutrina reformada, que reconhece que o amor salvífico de Deus foi estendido apenas às suas ovelhas, que chegamos ao ponto de fazermos afirmações absurdas como essa. Em nenhum lugar a Bíblia afirma isso, apesar de que podemos dizer, de fato, que Ele demonstra um amor diferente e especial ao seu povo. Temos de tomar muito cuidado para não ficarmos bitolados com um vocabulário estritamente calvinista e condenarmos a linguagem que a própria Escritura usa. Provavelmente, ainda escreverei algo sobre isso.

II – “Evangelizar é ter um bom testemunho”.

Todos nós já ouvimos essa ideia muitíssimas vezes, e continuaremos ouvindo até a nossa morte. Sempre há alguém para dizer: “Mas pregar o Evangelho não é só falar...”; “Você pode pregar simplesmente tendo uma boa conduta, não precisa necessariamente falar da Bíblia”; “Pregue o evangelho; e, se necessário for, utilize palavras”. Elas dizem que, para evangelizar, não precisamos necessariamente falar sobre Cristo como Senhor, sua morte, o juízo, a ressurreição, o arrependimento e a fé. Basta que demos um bom exemplo, e as pessoas acreditarão em todas essas coisas simplesmente pela nossa boa conduta.

É preciso dizer enfaticamente: precisamos sim falar do evangelho. A fé vem pelo ouvir da Palavra de Cristo, e não pelo ver a conduta do cristão. O evangelho é, antes de tudo, uma mensagem, com vários pontos específicos, e o ser humano precisa entende-los para se arrepender e crer verdadeiramente em Deus.

Algumas vezes, nossa aproximação será através simplesmente da amizade e da boa conduta, realmente. Temos de estar interessados nas pessoas em si, e não apenas em despejar uma mensagem pronta a todos. Mas só podemos dizer que evangelizamos alguém quando tivermos efetivamente contado o evangelho.

III – “Evangelizar é pregar na igreja”. Essa frase não é falsa, porém não abarca toda a verdade. Na verdade, acho que até podemos dizer sim que ela é falsa. Pregar na igreja é evangelizar, em certo sentido; mas não podemos simplesmente dizer o contrário: evangelizar é pregar na igreja. Evangelizar é pregar, principalmente, para os de fora, como Pedro fez no dia de Pentecoste: saindo do lugar onde estava e pregando à multidão que ainda não cria em Cristo.

IV – Minha igreja evangeliza, porque nela existe pregação bíblica”.

Se Pedro simplesmente falasse àqueles que já estavam na igreja, como o evangelho seria espalhado por todas as nações? Ele não organizou, no dia de pentecostes, um estudo bíblico sobre o profeta Joel a ser ministrado dentro do local onde estavam reunidos. 

Ele saiu para pregar.

Muitas vezes, quando falamos em evangelizar, focamos em chamar as pessoas para a igreja para, lá dentro, ouvirem o evangelho. Evangelizar, assim, é visto como sinônimo de “chamar para o culto”. Isso, na verdade, é um eco do hipercalvinismo, pois, quando afirmamos isso, o que na verdade estamos dizendo é o seguinte: “se alguém for eleito, virá até nós”. “Deus vai mandar os eleitos”. Isso é uma distorção do que a Bíblia nos ensina. Paulo escreveu: “Por isso, tudo suporto por causa dos eleitos, para que também eles alcancem a salvação que está em Cristo Jesus, com glória eterna.” (2 Timóteo 2:10). Portanto, se a sua igreja “evangeliza” apenas oferecendo pregação de qualidade àqueles que a visitam, a verdade é que ela não evangeliza.



Evangelizar é ataque! É o exército de Deus, munido da arma mais poderosa que existe, avançando contra o inferno! O próprio Jesus disse: “As portas do inferno não prevalecerão contra a Igreja”. É ir até os becos escuros e encruzilhadas, até os mancos, cegos e aleijados, arrancar nossos irmãos das trevas.

sexta-feira, 21 de julho de 2017

Evangelização e Reforma [Pt. 3] – Falhas comuns no meio reformado


Como falei anteriormente, acredito que a doutrina reformada não prejudica o evangelismo; pelo contrário, o estimula. Porém, voltando agora os olhos para a realidade, precisamos lidar com o que acontece de fato entre os reformados. Infelizmente, o que se pode dizer em defesa da doutrina reformada não pode ser dito, muitas vezes, dos reformados; e muitos acabam confirmando o estereótipo por distorcerem uma crença que deveria ser boa.

Cada grupo de pessoas tem um foco

Todos temos aqueles assuntos que estão sempre na nossa cabeça. Podem ser vários: política, alimentação saudável, esportes ou a vida acadêmica. Mas uma coisa é certa: é inevitável para o ser humano ter determinado “estilo” de pensamento, guiado por seus temas preferidos, os quais sempre dão um jeito de invadir as conversas. Quem não conhece aquele amigo que está sempre falando dos mesmos assuntos que o empolgam? Um deles gosta muito de Senhor dos Anéis, e tudo, para ele, remete a algo daquela história; outro, é fascinado por missões, e em todo lugar encontra algo relacionado a isso; outro, adora o tema da cosmovisão cristã, e tudo para ele é explicado a partir da dicotomia secular/sagrado (ou, melhor dizendo, da sua inexistência); outro, está sempre pensando em termos do Direito, relacionando tudo com algum princípio ou regra jurídica; e assim por diante. Todos nós interagimos com o mundo através de lentes específicas.

Também é assim com a teologia: toda teologia tem seu foco. Não é que elas necessariamente procurem distorcer a verdade; o que ocorre é que determinado universo (a Bíblia, por exemplo) é tão rico, tão variado e tão repleto de assuntos diversos que nós acabamos por escolher nossos temas favoritos e focar neles. É simplesmente parte da experiência humana. Sempre que lemos um Salmo, as cartas de Paulo ou as histórias bíblicas, imprimimos no texto nossa teologia – isto é, o foco trazemos na mente. Se o foco de alguém for casamento, encontrará alguma forma de falar sobre casamento num Salmo sobre a destruição de Jerusalém. Se for cosmovisão cristã, encontrará algo para falar sobre ela na história do profeta que fez flutuar um machado. Se for a diferença de gênero homem-mulher, enxergará isso no relato sobre a multiplicação dos pães.

É um exercício interessante procurar descobrir qual o “tema” predominante em cada pessoa que conhecemos.

Enfim: cada teologia tem seu foco. A (a)teologia das Universidades de hoje (isto é, da “religião” que elas seguem) tem como foco os dogmas esquerdistas: aborto, homossexualismo, legalização das drogas, desarmamento e, acima de tudo, ideologia de gênero. O catolicismo, grosso modo, foca nos sacramentos e na figura de Maria. Os neopentecostais, em cura, vitória, dinheiro e demônio. Já os pentecostais focam nos dons espirituais e no batismo com o Espírito Santo. E o foco dos reformados é...?

Alguém tem alguma ideia?

Será que os reformados têm um foco?

Alguns poderiam dizer o seguinte: “não, a doutrina reformada não tem um foco arbitrário como as outras; seu foco é o próprio evangelho. Então, ela é uma visão bem equilibrada de tudo o que as Escrituras falam, pois preza pela Bíblia como sendo a Palavra de Deus, defendendo os princípios do sola scriptura, tota scriptura, etc, etc...”

Acredito que essa é uma visão adotada por muitos que acabaram de conhecer o “mundo reformado”, por assim dizer, e ainda estão “superempolgados” com a reforma. Como conseguiram novas lentes para enxergar o mundo de forma mais bíblica, são absorvidos por essa nova luz a ponto de serem deslumbrados.

Mas, como toda empolgação “jovial”, ela esfria com o tempo, à medida que a maturidade vai, aos poucos, formando uma visão mais realista da vida. Não é que a doutrina reformada seja ruim; e sim que não devemos adotar uma postura infantil e idolatrá-la, a ponto de achar que o meio reformado é uma utopia realizada. 

Enfim, voltando ao assunto: será que os reformados têm um foco? 

A minha resposta é sim. Faça o teste: escute pregações, leia livros, veja palestras e até mesmo converse com seus irmãos, e começará a perceber alguns focos.

E aqui vai: acredito que as palavras-chave para indicar o foco dos reformados são *soberania de Deus* e *depravação humana*.

Soa familiar? Ouviu alguma pregação recente sobre isso?

Já prestou atenção que esses assuntos estão sempre na pauta?

Pois é; nós geralmente encontramos um jeito para falar sobre eles em tudo: se você abrir em Cântico dos Cânticos, numa roda de reformados, a explicação do texto vai vir com um breve comentário sobre a soberania de Deus, a responsabilidade humana e a depravação que permeia nossa natureza. Às vezes, a depravação total é vista como a resposta para todo e qualquer aconselhamento. É como se todo problema pessoal ou dúvida teológica fossem resolvidos simplesmente por se mostrar à pessoa o quanto ela é pecadora. Mas a realidade da experiência humana é muito mais complexa que o binômio “orgulho da justiça própria/humildade em reconhecer a própria miséria”. O ser humano é mais complexo que essas duas possibilidades.

Enfim, claro que existem outras palavras-chave, mas que acredito são um pouco menos comuns. (Por exemplo: Dia do Senhor, Princípio Regulador do Culto, Pregação Expositiva, Filosofia Cristã, Cristianismo e Política, Cosmovisão Cristã, Redenção da Cultura, etc.). Não é que essas coisas sejam ruins, em si mesmas: mas o foco acaba se tornando um problema quando ofusca as demais partes da vida cristã. Ou pior: quando consideramos nosso foco como a essência mesma de todo o cristianismo, excluindo todo o resto como meros acessórios. Não podemos cair no erro de colocar um ponto como foco principal, do qual dependem todos os outros. É errado para os pentecostais dizerem: basta buscar o Espírito, que isso vai preencher qualquer lacuna em termos de conhecimento bíblico e doutrina correta. Da mesma forma, é errado para nós dizermos: basta haver pregação bíblica, e isso suprirá eventualmente a frieza espiritual e falta de comunhão, evangelismo e oração.

A ortodoxia não salva, nem é garantia de santificação. É possível haver grande atração pela doutrina ortodoxa sem a prática cristã. Temos de tomar cuidado com o costume de denunciar as falhas pentecostais e neopentecostais, quando algumas de nossas próprias falhas passam completamente desapercebidas.

segunda-feira, 17 de julho de 2017

“Não julgueis, para não serdes julgados”. [Pt. 1]



Geralmente, ressaltamos o que esse versículo NÃO significa. A Internet está cheia de ótimos textos refutando a noção relativista do pessoal do “politicamente correto”, que considero a maior religião mundial de hoje em dia.
Porém, que lição podemos tirar, de fato, desse mandamento?
Nós, evangélicos, somos muito julgadores.
Achamos que temos uma enorme capacidade para entender perfeitamente o caráter das pessoas e das circunstâncias num piscar de olhos. Formamos uma opinião que rapidamente se torna uma verdade absoluta. Isso, por si só, já é uma forma de orgulho; o que também gera outros pecados derivados.
Um bom exemplo é o pecado da calúnia. Falamos mal uns dos outros o tempo todo.
Não quero dizer que não devemos falar sobre outras pessoas, especialmente quando necessário. É necessário e legítimo alertar irmãos sobre alguém que provoca divisões, confusões ou doutrinas venenosas – enfim, um falso irmão infiltrado no meio. Sou o primeiro a favor de soar o alerta contra eles.
Porém, o que vejo muitas vezes é irmãos falando mal de irmãos, piedosos contra piedosos, por terem alguma divergência de pensamento ou de atitude.
Por exemplo:
O irmão que foi pro evangelismo fala mal do que não quis ir. O irmão que foi pra reunião na igreja durante a semana fala mal do que não foi. O que está namorando fala mal do que está solteiro, por estar solteiro. O que está solteiro fala mal do que está namorando, por estar namorando. Aparecem motivos sem fim para falar mal dos irmãos: sua relação com a família, sua frequência em programações, suas roupas, etc.
Ou então, escutamos “referências ruins” de algum irmão. “Fulano tem alguns problemas.” “Ouvi dizer que ela tem um mal testemunho”. Muitas vezes, isso é feito sem sequer verificar a situação de perto, conversar com a pessoa de quem se fala ou até mesmo questionar os motivos de quem espalha “o alerta”. A grande ironia é que, muitas vezes, os mensageiros que alertam sobre o mal testemunho de outros não têm, eles mesmos, um bom testemunho.
Comentar o pecado de terceiros se tornou corriqueiro em nosso meio – talvez para você, também. Mas pondere. Pense bem. Seja honesto: será que o mesmo não poderia acontecer com você? Será que também não existem pessoas que te conhecem que poderiam sair dizendo: “Cuidado com fulano(a), ele(a) é assim e assim, já deu problema com isso, uma vez ouvi que..., etc.”? Lembre-se de que, da mesma forma como você comenta sobre outros, outros podem estar comentando sobre você.  Quando descobrimos o pecado característico de alguém (seja verdade ou não), nos sentimos no direito de difamá-la e comentar com outras pessoas. Mas o que você acharia de outras pessoas comentando pelas suas costas sobre seus pecados?

Evangelização e Reforma [Pt. 2] Duas analogias e a Grande Comissão



        Pensei em duas analogias para nos lembrar da urgente necessidade do evangelismo.
A primeira é a seguinte: imagine que a cidade está tomada de cadáveres por todos os cantos – a começar pelo seu bairro, sua faculdade e seu trabalho. Todos estão mortos. Mas há uma única injeção, raríssima, que restaura a qualquer um. Quando aplicada diretamente ao coração, ela dá nova vida a quem a recebe. Essa injeção é o evangelho.
Para quem já leu um pouco mais a Bíblia, essa imagem é bem familiar. Parece com a metáfora que Deus mostrou, ao vivo e a cores, ao profeta Ezequiel. Deus lhe apresenta, em uma visão, um vale repleto de ossos secos, como um antigo campo de batalha. Nessa visão, Ezequiel é ordenado a pregar para os ossos (isso mesmo); e, enquanto eles ouvem, Deus os faz reviver (leia a história em Ezequiel 37). É isso que acontece quando alguém ouve o evangelho e crê; a venda nos olhos do seu coração é tirada e ele adquire nova vida. Ele ressuscita espiritualmente. Isso se encaixa com o que o Novo Testamento fala sobre o ser humano: que, antes de ouvir o evangelho, ele está morto em seus pecados (Efésios 2.1); mas, quando o ouve e crê, nasce de novo e finalmente se torna vivo para Deus (João 3.3-5; Tito 3.5; 1Pe. 1.23; Colossenses 2.12; Romanos 6.4).
O Espírito sopra onde quer. Nós ouvimos seu som, mas não sabemos em quem Ele soprará. Em outras palavras, não se sabe quem vai viver. Mas de uma coisa nós sabemos: a única maneira deles viverem é através da injeção.
E se não houver ninguém que lhes traga esse remédio? Então, não há outro meio de viverem. E se ninguém lhes levar o evangelho? Então não haverá esperança. Não há outro meio de salvação, a não ser um: a pregação fiel do Evangelho. Sem fé é impossível agradar a Deus; e a fé vem apenas por um meio: pelo ouvir a Palavra de Cristo.
            A segunda metáfora é a seguinte: imagine que a cidade está cheia de prisões em todos os cantos. Cada esquina, praça e quarteirão estão cheios de prisões sujas, escuras e cheias de gemidos e ranger de dentes. Nelas estão seus parentes, seus colegas, sua família. Eles já tentaram com todas as suas forças sair da prisão, mas suas barras são duras demais. Já tentaram tanto que, em seu desespero, desmaiam de tanta tristeza e agonia. São consumidos pelos seus pecados, seu egoísmo, sua falta de propósito, sua depressão – ainda que escondam tudo isso muito bem.
Apesar de existirem muitas chaves por aí, apenas uma verdadeira abrirá as prisões – o Evangelho. Existem muitas cópias falsas, negociadas e vendidas por muitos evangélicos, por todos os lados, enganando a muitos, prometendo mentiras e dando falsas esperanças de libertação. Em meio a todo esse caos que existe hoje, são pouquíssimos os que têm a verdadeira chave.
Mas há uma boa notícia em meio a tudo isso: você é um deles. Você tem a chave do Evangelho para arrancá-las da prisão e trazê-las para a luz. Não importa o quanto você seja tímido ou inexperiente, você tem o poder.
O poder já está conosco – A Grande Comissão
Pare um momento. Quero que reflita em algo: Você lembra da Grande Comissão?
O que Jesus disse nesse trecho famoso? A grande maioria de nós lembra das palavras: “Ide por todo o mundo, pregai o evangelho a toda criatura” (Mc. 16.15). Essa é a ordem que Jesus nos deu. Essa é uma das missões essenciais de todo cristão.
Porém, poucos lembram do que Jesus falou logo antes e logo depois dessa frase famosa, no evangelho de Mateus. Nesse evangelho, a passagem completa diz:
Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra. Portanto, vão e façam discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a obedecer a tudo o que eu lhes ordenei. E eu estarei sempre com vocês, até o fim dos tempos.” (Mateus 28:18-20).
É muito interessante que, nessa passagem, Jesus coloque, antes e depois da famosa ordem, dois incentivos para nos dar confiança no evangelismo.
(1) Cristo comprou para si o seu povo e já tem autoridade sobre toda a terra. Antes do seu sacrifício, a Palavra de Deus era revelada somente à nação de Israel, enquanto todas as nações estavam nas trevas, sob o domínio de Satanás. Jesus mesmo deixa claro que, ainda em vida, veio apenas às ovelhas perdidas de Israel, não recebendo gregos ou cananeus que vieram a ele. Porém, através da sua morte, Ele comprou pessoas de todas as tribos, povos, línguas e nações! Ele conquistou o seu povo, tirando-os das trevas e despojando os poderes malignos que antes mantinham as nações cativas. Toda a autoridade lhe foi dada no céu e na terra; a barreira étnica e territorial foi derrubada; de forma que o Evangelho, onde quer que seja pregado com fidelidade, é vitorioso; o evangelho sempre vence. Por todos os lugares, há ovelhas que serão inevitavelmente atraídas para a fé. O caminho está aberto; cada centímetro desta Terra agora pertence a Cristo como Rei conquistador, e é apenas uma questão de tempo até que sua bandeira seja hasteada sobre todo monte, dos lugares mais remotos da Patagônia aos interiores mais ermos da China. “E este evangelho do Reino será pregado em todo o mundo como testemunho a todas as nações, e então virá o fim”.
 (
Mateus 24:14). Toda autoridade lhe foi dada no céu e na terra.
(2) Eis que estou convosco. Quando chegamos num local escuro e ameaçador, levando as boas novas, não estamos sozinhos. Ele está conosco enquanto compartilhamos a boa mensagem. Cristo, o Rei eterno, está pessoalmente ao nosso lado em cada passo que damos. O Rei do Universo, que criou todo o exército das estrelas, está ali, ao nosso lado, quando falamos sobre sua vitória e convidamos alguém a se tornar participante do Reino.
Ele também está ao nosso lado como Advogado e Pastor, nos tornando dignos de fazermos a obra, apesar dos nossos pecados remanescentes, e sendo por nós a nossa justiça.
Assim, quando lembrarmos da Grande Comissão, lembremos não apenas da ordem, mas também dos incentivos.
Tenhamos sempre em mente que o Evangelho é o poder de Deus: “Não me envergonho do evangelho, porque é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê” (Romanos 1:16).
Não importa o quão endurecido alguém está; Cristo é poderoso para destruir fortalezas.