terça-feira, 31 de maio de 2016

Romanos 1: a inteligência às avessas. Uma anedota.

Texto que escrevi no final de 2013.

Esses dias, eu estava numa aula da faculdade, ouvindo um debate sobre determinado assunto polêmico e a opinião dos meus colegas, quando a discussão me lembrou bastante de como a Bíblia descreve nossa tendência natural a resistir à verdade. Lembrei de Romanos 1.18-32, que explica perfeitamente como o ser humano desvia o olhar diante de uma verdade evidente e agradável, suprimindo-a em prejuízo próprio, o que ocorre em especial nos dias de hoje.
Fiz uma pequena anedota-metáfora desse capítulo, como uma descrição do que vejo no meio acadêmico. Imaginei o seguinte:

É como se existisse um grupo de pessoas que têm acesso a toda sorte de frutas e comidas saudáveis, assim como biscoitos e outras comidas prejudiciais à saúde. Sem muito cuidado com a alimentação, muitos deles comem sempre “junk food” e quase nunca alimentos naturais.

Sendo alertados por um médico que estão com deficiência de determinadas vitaminas, e que em breve desenvolverão determinadas doenças, já começam a apresentar certos sintomas – cansaço, anemia, alguns desmaios. O médico é taxativo: eles precisam comer bem ou não vão melhorar.

Imediatamente eles se iram contra o médico por estragar o bem-estar deles com seu aviso e concordam entre si que ele deve ter um interesse escuso e desonesto em dar seu diagnóstico.

Depois da morte de um deles (que só comia biscoitos recheados), decidem também que a melhor coisa, a ser mais exaltada e considerada mais correta e urgente a fazer é cuidar do próprio bem-estar à maneira própria: eliminar completamente as frutas e legumes de seu cardápio e aumentar seu consumo de biscoitos e refrigerantes. Como “essas comidas são saborosas” – e “a comida deve servir para alegrar os que comem” –, eles decidem não só comê-las à vontade, mas também aprovar e parabenizar os que assim fazem.
Essa é a inclinação que vejo profundamente arraigada no meio acadêmico onde estou, assim como entre o povo e, infelizmente, encrustada na maior parte da igreja evangélica em geral.
 “Mas aquele que de mim se afasta, a si mesmo se agride; todos os que me odeiam amam a morte.” (Provérbios 8:36). 

quinta-feira, 26 de maio de 2016

Uma forma sutil como a "Salvação pela Lei" se transveste de "Salvação pela Graça".

“Pois quem obedece a toda a Lei, mas tropeça em apenas um ponto, torna-se culpado de quebrá-la inteiramente.” (Tiago 2:10).

Esse versículo tem me perseguido em conversas sobre a Bíblia. É um dos que mais gosto e um dos que mais utilizo quando estou evangelizando. Porém, tenho visto que ele pode ser mal interpretado.

Algumas pessoas acham que ele só condena os ímpios (pois não obedecem à Lei de Deus), e não os justos (visto que estes obedecem a Deus). Os justos, segundo alguns creem, obedecem a toda a lei, sem tropeçar em nenhum ponto. Dizem eles: “A salvação é somente pela graça... mas o fruto da salvação é que você vai obedecer a Lei. TODA a Lei.”.

Isso é um erro que destrói o Evangelho da graça de Deus. Creio até mesmo que seja um ardil de Satanás para perverter o verdadeiro evangelho.

Se confiarmos nossa salvação a nosso desempenho espiritual – a nosso cumprimento da Lei –, caímos, na verdade, em condenação, pois baseamos nossa posição de “perdoados” diante de Deus em nosso próprio esforço. Há alguns que dizem: "A salvação é pela graça; mas você só está ligado à graça enquanto obedecer fielmente à Lei. No momento em que peca, deixa de estar sob a graça". Alegando crer na salvação pela graça, estão na verdade pregando a salvação pelas obras. Caem na maldição pronunciada por Moisés e repetida pelo apóstolo Paulo: “Já os que são pela prática da lei estão debaixo de maldição, pois está escrito: ‘Maldito todo aquele que não persiste em praticar todas as coisas escritas no livro da Lei’.” (Gálatas 3:10; Dt. 27.26). Entre estes, estão os Adventistas, que hoje em dia constituem a seita mais sutil no Brasil, muitas vezes se misturando com os verdadeiros evangélicos.

Nossa posição de JUSTIFICADOS diante de Deus se baseia EXCLUSIVAMENTE no mérito de Cristo e na obediência DELE em nosso favor, a qual foi gratuita, IRREVOGÁVEL e ETERNAMENTE IMPUTADA a nós, nos tornando PARA SEMPRE justos diante de Deus. NADA do que façamos após esse veredicto pode muda-lo, pois Deus preservará para sempre suas ovelhas (João 10.28-29). Nós somos salvos pela graça, santificados pela graça e sustentados pela graça. Vivemos mergulhados num oceano de perdão que excede nosso desempenho.

Mesmo justificados, continuamos descumprindo toda a Lei, todos os dias; na verdade, nunca amamos a Deus com TODA a nossa força, nem o nosso próximo perfeitamente, como a nós mesmos; assim, violamos a Lei de Deus CONSTANTEMENTE, a cada milissegundo, em todos os seus mandamentos. 

Se a nossa salvação dependesse de pedirmos perdão conscientemente por todos os nossos pecados, precisaríamos viver 24h por dia clamando a Deus por perdão – e ainda assim sem nenhuma segurança de salvação. Mas Cristo já ora por nós constantemente, nos dando segurança eterna (Rm. 8.34; 1 João 2.1). Não tente preservar sua salvação por meio de “orações de arrependimento”, como se perdesse a salvação por causa de um pecado, e depois precisasse readquiri-la (salvação pelas obras); pois, assim, estará tentando merecer seu perdão numa espécie de sacrifício de penitência. Já fiz isso muitas vezes; como se a tristeza do arrependimento fosse o mérito que apresentamos a Deus, para dizer que temos alguma justiça para trazer diante dEle. Não! Peça perdão a Deus com sinceridade, chore pelo seu pecado, e agradeça a Deus pela sua salvação imerecida, gratuita e perpétua (Hebreus 10.14).

Não me entenda mal; o arrependimento é necessário, sem o qual não há perdão. E o verdadeiro cristão realmente avança poderosamente na santificação e na vitória sobre o pecado. Se você não se sente mal com seu pecado e não luta contra ele, ou se nunca faz nenhum real avanço na santidade, não há nenhum indício de que realmente tenha sido perdoado por Deus. Todos os que são feitos filhos também recebem um novo coração, e odiarão o pecado e lutarão contra ele por toda a vida, pois são novas criaturas – justamente porque a semente de Deus permanecerá para sempre neles (1 João 3.9).



Por isso, deixo este alerta: no momento em que apoiarmos nossa posição diante de Deus na nossa obediência, a Lei fiel de Deus se voltará contra nós, e, diante do menor pensamento impuro em nossa mente, nos humilhará e nos condenará como transgressores e inimigos sob o juízo de Deus.

segunda-feira, 23 de maio de 2016

Caminho Fiel [Pt. 11] Reunião com os peregrinos no saguão

       Após alguns momentos, durante os quais os peregrinos descansaram e conversaram com seus novos companheiros, Conselheiro mandou reunirem-se todos os peregrinos que lá se achavam, os quais começaram a vir das câmaras interiores. Eles notaram que o grupo de pessoas que ali estava era bem diferente daqueles com os quais estavam acostumados em suas terras de origem; pessoas com diferentes tipos de vestimentas, modos de se portar e aparência física, porém todos se entendiam na mesma língua. O grupo era claramente heterogêneo, proveniente de muitas terras diferentes. Quando todos estavam reunidos no saguão principal, Conselheiro tomou a palavra.


       Conselheiro – Sejam bem-vindos, amigos. Eu os trouxe todos aqui para adorarem ao Senhor e para serem tratados de suas feridas, pecados e ignorância, antes que prossigam no caminho. Tomem lugar, e assentem-se todos.

       Cristão e Cristã notaram que cada grupo sentou-se com seus semelhantes; alguns, nos sofás que lá havia; outros em almofadas no chão, semelhantes às que encontraram dentro da gruta. Havia lugar suficiente para todos se acomodarem. Notaram, também, que dois daqueles grupos permaneciam bastante quietos e reservados, mantendo-se de pé ao derredor de todos: o primeiro era formado de seis pessoas, em roupas simples e surradas, com a pele fustigada pelo Sol; tinham aquela aparência inconfundível de pobreza. O segundo grupo era de quatro pessoas, dois homens e duas mulheres, com uma aparência bastante estranha: suas vestes eram mais coloridas que o arco-íris, seus cabelos eram extravagantes, havia brincos, pingentes e até guizos que pendiam de seus corpos, cabelos e roupas. Cristão e Cristã ficaram imaginando que tipo de pessoas eram aquelas. Notaram que alguns dos outros viajantes olhavam desconfiados para um ou outro grupo, às vezes cochichando algo com alguém de sua própria caravana. Ambos os grupos, em pé, pareciam estar pouco à vontade em estar ali.
       Conselheiro, então, os notou.
       Conselheiro – O que houve, amigos? Por que não se sentam mais próximo?
       Homem pobre – Estamos bem aqui mesmo, obrigado.
       Conselheiro – Não; certamente devem se sentar aqui, ao meu lado. – ao que o primeiro grupo sentou-se, ainda inseguro, no chão próximo a Conselheiro.
       Conselheiro – Temos de ter muito cuidado, para que ajamos de forma digna do evangelho. A lei do nosso Rei diz: amarás o teu próximo como a ti mesmo. Mas, se tratarmos as pessoas com parcialidade, fazendo acepção, seremos condenados como transgressores. E quanto a vocês? – disse, dirigindo-se ao outro grupo.
       Grupo de peregrinos desconhecidos – Senhor, nós viemos de uma cidade indigna; não convém a nós nos sentarmos junto com vocês, além do que nos sentimos constrangidos tão somente de estar neste lugar. Por isso, estamos mais do que satisfeitos em ouvi-lo de longe, honrado Conselheiro.
       Conselheiro – de forma nenhuma, amigos. Sentem-se aqui e contem-nos sua história; vocês serão os primeiros, assim que eu tiver passado minhas instruções principais.
       À essa palavra, eles ruborizaram, e sentaram-se também em alguns lugares vagos.
       Conselheiro – Tenho muitas coisas que ensinar a vocês, algumas das quais vocês não podem ainda suportar. Podemos agora começar, visto que nosso número está completo; aqueles que faltavam chegaram até nós.
       Cristão – Ele está falando de nós? – sussurrou para Cristã.
       Cristã – Nós fomos os últimos a chegar, então acho que sim…
       Uma jovem ao lado deles escutou-os sussurrando. Era a mesma que tinha falado com eles no início, junto com dois outros peregrinos. Cristã a tinha notado como uma das mais jovens do ambiente. Ela usava um vestido simples de lã e uma longa trança única atrás da cabeça. Ela acrescentou, no mesmo tom: "Sim, são vocês mesmo. Nós esperamos vocês desde a noite passada."
       Cristã – Então, sabiam que viríamos?
       Peregrina desconhecida – sim, nós sabíamos.
       Cristão – Como? Quem lhes contou sobre nós?
       Peregrina desconhecida – Isso não vem ao caso agora. De qualquer forma, nós esperávamos recebê-los ontem à noite, para nos reunimos todos e ouvir as instruções. Conselheiro não queria fazer a reunião, a menos que todos estivessem aqui. Por isso, ficou preocupado e foi buscá-los com Experiência.
       Cristão – Nosso atraso atrapalhou vocês em alguma coisa?
       Peregrina desconhecida – Bom, na verdade havia outras coisas planejadas para esta manhã; acho que serão feitas mais tarde. Conselheiro quer terminar logo os preparativos para que continuemos viagem.
       Cristão e Cristã ruborizaram. Cristã pensou: “Então nossa caminhada na Ponte da Vaidade não atrasou a nós somente, mas a todo este grupo de peregrinos”.
       “... e por isso enviamos mais uma escolta para sondar. Creio que o caminho estará limpo e seguro para passagem”, continuava Conselheiro.
    “Qual o seu nome?”, perguntou Cristão, ainda sussurrando.
       “Pois não, Cristão?” – Conselheiro os ouvira. “Vocês têm alguma dúvida sobre o reconhecimento de campo?”
       “Não, senhor.”
   “Bom”, prosseguiu, “vamos cuidar logo de algumas necessidades. Todos vocês precisam estar preparados para o resto da sua jornada. Devo começar com uma pergunta: todos aqui entraram pela Porta Estreita?”
       Todos assentiram.
       Conselheiro – Todos aqui, então, têm em mãos o certificado que é entregue aos que passam por ela?
       Todos, à uma, apresentaram seus certificados.

       Conselheiro – Muito bem, irmãos. Saibam que apenas os verdadeiros peregrinos possuem essa prova em mãos; lembrem-se das três proposições que esse diploma traz: (1) este peregrino crê na verdade; (2) este peregrino anda na luz; (3) este peregrino ama os irmãos. Mediante essas coisas, vocês sabem que pertencem a Deus.
       Bom, essa foi a primeira questão, a mais crucial – continuou ele –; prossigamos à segunda, também muito importante. Quem de vocês está aqui sozinho, isto é, não estava acompanhado de outros irmãos antes de chegar aqui?
       Quatro peregrinos levantaram suas mãos; dois deles estavam no grupo de peregrinos pobres; o terceiro era um jovem bem vestido, e a quarta era uma senhora de aparência amável.

       Conselheiro – Vocês perduraram em coragem em uma situação incomum. Deus os recompense pela sua perseverança e ânimo em terem se mantido firmes. Porém, eu lhes aconselho e exorto: a partir deste ponto do caminho, vocês devem se manter juntos de seus companheiros peregrinos, tanto pela sua necessidade deles, como deles de vocês; só assim conseguirão suportar os desafios que os esperam mais à frente.
       Prosseguiu, então, e falou: “quem de vocês ainda não tem armas e equipamentos de ataque e defesa?”, ao que alguns levantaram suas mãos; “à sua saída, então, passem pelo nosso arsenal, e peguem as armas que lhes foram reservadas.”
       Além disso – continuou – Está alguém dentre vocês doente? Vocês se feriram no caminho?
       Vários dos presentes levantaram as mãos. Via-se claramente que alguns tinham feridas externas, envoltas em bandagens sujas de sangue. Muitos tinham feridas pustulentas que cheiravam mal. Outros tinham chegado mancando do interior do santuário. Um ou outro tinha um membro amputado. Havia ainda outros que andavam guiados pelos companheiros, como cegos. E vários outros diziam seus problemas:
       “Meus ossos estão envelhecidos”, disse um homem de aparência exausta.
       “Eu acabo de sair de um lamaçal horrível”, disse um homem cheio de lodo.
       “Não consigo me movimentar”, disse um homem cujo corpo estava preso por cordas.
       “Eu quase me afoguei”, disse outro com a roupa suja de algas.
       E não poucos apresentavam outros problemas, como tremores, febre, desânimo e insônia.
       Conselheiro, então, juntou-os e, orando em favor deles, ungiu-os com óleo. Ele disse: “A oração da fé salvará o doente, e o Senhor o levantará; e, se houver cometido pecados, ser-lhe-ão perdoados.” Erguendo suas mãos, disse:

          Abençoe o Pai com seu amor
          Guarde-os na mão o Poderoso Pastor

          Brilhe em vós a luz do seu rosto
          Claro como o dia
          Os que olham para ele
          Estão radiantes de alegria

          Ungidos com o óleo, unidos em gratidão
          Sede cheios do Espírito, e da sua comunhão
          Abri a boca, uns aos outros edificais
          Com melodias e cantos espirituais

          Cubra-os o Cristo com seu sangue eficaz,
          Seja sobre vós a Graça e a Paz

       Levantando seus olhos para todos, disse: “Confessem as suas culpas uns aos outros, e orem uns pelos outros, para que sejam sarados.”
      Todos se entreolharam. Após alguns momentos de silêncio, a mulher idosa começou a relatar seus pecados. Dos mais velhos aos mais jovens, um a um, todos começaram a falar ao mesmo tempo. Um burburinho começou no local, enquanto cada um se dirigia a seu próximo, confessando seus pecados. Alguns batiam no próprio peito, outros choravam. Alguns falavam em grupos; outros se afastavam para falar a sós com outros irmãos. Todos permaneceram assim por algum tempo.
       Cristão e Cristã aproveitaram o momento para confessar novamente seus pecados um ao outro. Também o fizeram diante de todos os irmãos, lamentando os terem atrasado; também ouviam sobre os pecados e fraquezas de seus companheiros. Muitos também oravam a Deus, e as orações se misturavam em meio ao ambiente.
       O silêncio foi gradativamente voltando ao saguão, à medida que todos se aquietavam. Conselheiro, então, perguntou-lhes: “Como vocês se sentem?” Ainda que não recuperados completamente em seu vigor, os viajantes se sentiam bem melhor, como se um fardo lhes fora tirado das costas.

       Conselheiro – É importante que vocês confessem seus pecados uns aos outros, pois fazem parte do mesmo corpo. Vocês são remédio uns para os outros, assim como o ferro afia o ferro; um verdadeiro amigo que conhece seus pecados e os cura com paciência e benevolência é um bem precioso. Um pecado não confessado cria raízes, mas onde há um amigo fiel, há vitória. Vocês são membros uns dos outros. Assim, “não deixarás de repreender o teu próximo pelo pecado, mas amarás o teu próximo como a ti mesmo”. Façam isso, e levem assim os fardos uns dos outros, pois isso é cumprir a lei de Cristo. Usem da língua de forma sábia; pois melhor é a repreensão feita abertamente do que o amor oculto, e há palavras que ferem como espada, mas a língua dos sábios traz a cura. Portanto, se algum de vocês for surpreendido em algum pecado, que os demais o restaurem com espírito de mansidão. Sejam também prontos para ouvir.
       Por fim, quem aqui ainda não tem o Mapa? – e finalizou por entregar cópias do mapa daquela terra àqueles que ainda não o tinham. Sentando-se todos novamente, prosseguiu para conhecer melhor seus companheiros, dirigindo-se ao grupo de peregrinos excêntricos.

       Conselheiro – Pois não; ouçamos agora. Quem são vocês e de onde vêm?

terça-feira, 17 de maio de 2016

Caminho Fiel [Pt. 10] Os peregrinos entram no santuário de Deus

   Três pessoas estavam sentadas, conversando entre si, quando os peregrinos entraram, com Conselheiro. À chegada dos visitantes, as três se levantaram e foram cumprimentá-los.
       “Sejam bem-vindos”, disseram. “Quem são estes com você, Conselheiro?”
       “Estes são dois viajantes, que saíram das suas terras de nascença para irem até a Cidade do Rei. Eles serão uma boa companhia para vocês. Agora me contem, vocês têm feitos seus preparativos para continuar sua jornada?”
       “Sim”, respondeu um deles. Já descansamos aqui, enquanto nos dedicamos à oração e à leitura dos pergaminhos que nos foram dados, pedindo forças ao Senhor. Além disso, fizemos como o senhor falou: estudamos toda a área em redor e saímos em pequenas rondas de reconhecimento, para que aprendamos mais sobre o local. Sinto que estamos agora preparados para trilhar os trechos seguintes do caminho.”
       “Além disso”, continuou a jovem ao lado dele, “temos observado todo o ambiente distante ao redor, há três dias, com a luneta do observatório. Descobrimos que há uma ponte inacabada, que parece abandonada, e terras firmes, na direção nordeste, cheias de árvores, algumas frondosas, outras malcuidadas. Mais à frente, a oeste, não conseguimos ver muito à frente das dunas de areia, a não ser luzes que parecem vir de um vilarejo, algumas léguas adentro.”
       O terceiro concluiu: “E vimos, na noite passada, dois viajantes que acenderam uma tocha na beirada da ponte inacabada, chamando nossa atenção. Subimos, então, para ver se davam algum sinal para nós. Percebemos ser um homem e uma mulher, que se preparavam para consertar a ponte (e era uma bela ponte), com vários utensílios diversos. Então, estando eles na beirada, de repente escorregaram e caíram na água.”
       Os dois peregrinos empalideceram com essa notícia.
       Então Cristão lembrou da Escritura:

              Certamente tu os puseste em lugares escorregadios; tu os lanças em destruição.

       Tremendo de medo, e tomada pelo temor de Deus, Cristã sentiu vir à sua mente a frase: “O caminho dos ímpios perecerá”. E orou silenciosamente: “Volta, minha alma, para o teu repouso, pois o Senhor te fez bem. Porque tu, Senhor, livraste a minha alma da morte, os meus olhos das lágrimas, e os meus pés da queda.”

sexta-feira, 13 de maio de 2016

Caminho Fiel [Pt.9] Os peregrinos saem da gruta

     Terminada a longa conversa, sentiram pesar sobre eles todo o cansaço da viagem que haviam feito até então. Foram, então, convidados a descansar um pouco nas almofadas ao redor da mesa, pois todo aquele cenário havia sido preparado especialmente por Conselheiro e Experiência para alívio e descanso dos peregrinos, visto que eles mesmos haviam, anos antes, trilhado o mesmo trecho sozinhos, tendo quase desfalecido. Dormiram pesadamente, até se recuperarem completamente de seu sono. Assim que acordaram, encontraram a mesa novamente farta de comida, com Conselheiro ao lado deles. Assim que se alimentaram novamente, Conselheiro lhes disse que deveriam partir de imediato, para não perder o precioso tempo para prosseguir na caminhada. Ele os acompanharia, disse, enquanto Experiência havia se ausentado para ajudar outros irmãos em outras partes do caminho.
     Prosseguiram, ainda iluminados pelas tochas, felizes por terem sido renovados de forma tão inesperada. Agradeciam a Conselheiro enquanto faziam o resto do percurso, tendo em mente o quanto estavam melhores, mais seguros e mais sábios, tão somente por terem encontrado em seu caminho esses irmãos mais experientes, e se beneficiado de seus conselhos. "Nós ficamos aqui por semanas", disse Conselheiro. "Não teríamos conseguido sair daqui se o Senhor não nos tivesse levantado. Por isso, buscamos ajudar os viajantes, para que não tenham de passar pelo sofrimento que passamos, e também para que possam prosseguir mais rapidamente, com nossa ajuda."
     Finalmente, chegaram à outra ponta. Apesar de ainda não enxergarem nada, podiam ouvir novamente, ao longe, o som de ondas. Havia também um leve canto de pássaros que começava a se misturar com o barulho das águas, ao início da manhã. Saindo da gruta, viram-se numa praia calma e aberta, tendo ao lado deles o mar, junto ao grande rochedo, e à sua frente, ao longe, morros arenosos. O sol estava a meio caminho de nascer completamente, vindo de detrás do mar e iluminando as dunas. Toda a paisagem era muito agradável. Conselheiro lhes disse: vamos, nosso destino por hoje está um pouco mais acima. Levantando os olhos para o alto, os peregrinos viram que havia uma espécie de palácio construído sobre a grande rocha da qual tinham saído, a qual era bastante extensa, formando o que parecia uma chapada ladeada pelo mar.
     “Subamos até lá”, disse Conselheiro.
     Demoraram pouco tempo, pois havia sido esculpida, na rocha, uma escada íngreme que levava ao topo. Chegando lá, avistaram o palácio: era imponente em sua aparência, magnífico no seu exterior, tendo vários pórticos, escadarias e enfeites.
     “Que lugar é esse?”, perguntou Cristã.
     “Este é o santuário de Deus”, respondeu Conselheiro.
     Entraram. O silêncio de imediato os envolveu. O barulho das ondas tornara-se repentinamente inaudível. O canto dos pássaros, porém, parecia mais alto e claro. Todo o lugar por dentro era muito suntuoso. Não parecia haver uma grama sequer de qualquer sujeira ou poeira. O primeiro cômodo onde entraram era amplo, e parecia servir para o acolhimento dos recém-chegados. Havia enormes janelas de vidro de todos os lados, que mostravam a paisagem em redor. Eles podiam agora ver o mar azulado e a grande rocha que o cortava. O sol já aparecia no horizonte, na extremidade do mar de onde eles tinham vindo. O brilho alaranjado se esparramava pelas poucas nuvens ao redor do sol nascente. O vermelhão da rocha começava a luzir sob a meia-luz. As águas estavam tranquilas, e as dunas pareciam majestosas em sua cor bege, que fazia um meio-tom com a rocha e a aura do sol. A visão toda era de tirar o fôlego.

Um texto explicando o Evangelho

Escrevi este texto com o propósito de compartilhar o Evangelho, a mais importante mensagem que o ser humano pode ouvir.

Livreto em PDF

sexta-feira, 6 de maio de 2016

Caminho Fiel [Pt. 8] Conselheiro e Experiência explicam sobre as pontes

       Seguiu-se mais conversa, em que os peregrinos relataram a seus amigos tudo o que tinham feito depois de terem conhecido um ao outro. Contaram tudo sobre a ponte, como quiseram caminhar por ela, e como tiveram de voltar, depois.
       Quando terminaram o relato deste último cenário, Cristão expressou suas dúvidas:
       “A ponte que encontramos; não foi construída pelos nossos? Nós certamente reconhecemos a madeira nobre, famosa por existir apenas nos bosques do Rei, e da qual Ele utiliza para construir seus Jardins Fechados. Pensávamos que a ponte nos conduziria a um deles.”
       “Bem”, replicou Experiência, “vejo que vocês precisam de conselhos experientes sobre esse assunto, e estamos felizes em ajudar, pois a leitura do Mapa que vocês têm, somente, não lhes pode conceder a prudência de que precisam.”
       “A verdade é que o Rei tem, de fato, seus Jardins Fechados, o qual prepara para alívio dos peregrinos solitários, para dar-lhes forças para caminhar, sendo cada um desses jardins permitido a apenas dois peregrinos, para o desfrutarem, e mais ninguém. É-lhes permitida entrada neles para que espelhem, caminhando juntos, Sua natureza e Seu amor pelas ovelhas. Esses jardins permanecem disponíveis apenas em algumas épocas do ano, acessíveis apenas àqueles viajantes escolhidos pelo Senhor do caminho. Suas entradas e saídas consistem em pontes, as quais são construídas no modelo em que vocês viram; fazem parte, assim, do caminho. Vocês podem sempre reconhecer uma ponte verdadeira, pois está trancada com um cadeado antigo, chamado Dor, o qual pode ser aberto apenas com uma chave muito rara, chamada Amor Incondicional.”
       “Suponho que vocês não viram cadeado algum?”, prosseguiu Experiência.
       “Não”, responderam.
       “Nem possuem chave tal como essa?”
       Hesitaram alguns momentos, e então responderam, envergonhados: “Não”.
    “Experiência”, disse Cristã, “como podemos, então, encontrar ou construir uma ponte verdadeira?”
       “A verdade”, respondeu Experiência, “é que ninguém pode construir para si uma ponte segura que leve a um Jardim Fechado, ainda que tenha a matéria-prima e os recursos para isso, tendo todas as condições favoráveis, e ainda que a disposição de seu companheiro e a sua própria estejam completamente inclinadas para isso.”
       “Então como se explica que os peregrinos conseguem esta graça?”, perguntou Cristão.
       “Bem disse você”, replicou Experiência, “quando a chamou de ‘graça’; pois é apenas o grande Carpinteiro, o príncipe, que pode construir tais pontes. Se o Senhor não edifica-las, em vão trabalham os que as edificam.”
       “Além do mais”, continuou Experiência, “vocês me relataram que se encontraram pouco antes de terem avistado a ponte. Não foi assim?”
       “Sim, nos deparamos com a ponte logo depois de nos conhecermos”, respondeu Cristã.
      “Minhas queridas ovelhas... o que estavam pensando? Acaso não tinham consciência da seriedade daquilo que buscavam?”
       “Tínhamos”, respondeu Cristão, desconfiado.
       “Acaso não sabem que entrar numa ponte é uma decisão muito importante, que afetará todo o caminho? Por que, então, agiram tão precipitadamente, subindo nela com alguém que tinham acabado de conhecer?”
       Ambos apenas escutavam.
       “Vocês correram um duplo perigo: primeiro, o risco de subir numa ponte com um inimigo (pois o caminho está repleto de lobos e falsos amigos, como vocês certamente comprovarão mais à frente); segundo, o de serem motivo de tropeço para um irmão. Vocês não poderiam ter se aventurado numa ponte sem que antes soubessem tudo sobre seu companheiro – planos, virtudes, defeitos, pensamentos e história. Pois, como lutarão como uma só carne, se não conhecerem os defeitos e tentações um do outro? Em verdade digo a vocês, que se não conhecerem um ao outro, sim, tão bem quanto possível, jamais poderão forjar uma chave do Amor Incondicional, da qual falei. A menos que ela seja forjada do metal mais sólido, chamado Confiança, ainda que forjada, ela se quebrará.”
       Envergonhados, ambos escutavam, atentos.
       “Assim, se pretendem algum dia cuidar de um jardim, vocês devem fundir e refinar tal metal precioso, na fornalha da Transparência e Honestidade, purificando-o da escória das mentiras e omissões, que são engano.”
       Havia silêncio no ambiente. Cristão, porém, ainda deixou escapar:
       “Por que, então, o Senhor colocou esse tropeço em nosso caminho, se não o seríamos capazes de suportar? Por que ele permitiu que fôssemos tentados, se não estávamos preparados?” Ao que Conselheiro, tomando a palavra, respondeu:
       “Ouçam, pois: não é bom agir sem pensar; quem tem pressa erra o caminho. Esse foi o erro de vocês. A verdade é que a tolice do homem transtorna o seu caminho, mas é contra o Senhor que seu coração se irrita. De que se queixa, pois, o homem? Queixe-se cada um dos seus pecados.”
       Compungido em seu coração, Cristão sentiu que a tristeza segundo Deus o invadia, inundando-o de arrependimento.

       “Bom”, continuou Conselheiro, “Experiência mencionou que apenas o Rei pode construir as pontes que levem a seus Jardins.”. “Quanto a isso, não lhes resta nada a fazer a não ser preparar-se (e esta é uma tarefa extraordinária, como irão aprender aos poucos, e como espero ensiná-los) e seguir o caminho reto, esperando os desígnios do Senhor. Se estão cansados, e sentem que precisam de alívio, e que cuidariam bem de um jardim, ouçam o meu conselho: orem incessantemente, para que o Senhor do caminho faça a Sua vontade para com vocês, e apliquem-se a serem havidos dignos de forjarem chaves como a que falamos, tarefa dificílima. Quanto ao mais, esperem no Senhor, animem-se, e ele fortalecerá o coração de vocês. Esperem no Senhor.”
       “Seu conselho é fiel, bom amigo, e nós o seguiremos”, afirmou Cristã. “Somos gratos pelo cuidado e alívio que vocês nos têm ministrado. Mas ainda não responderam a pergunta de Cristão.”
       “Que pergunta?”, disse Conselheiro.
       “Sobre a ponte que encontramos. Pelo que vocês nos têm falado, ela não era uma ponte legítima. Como pode isso acontecer? Que era, então, aquilo que encontramos (pois, como disse Cristão, ela parecia tão real)?”
       “Bem lembrado, Cristã”, disse Experiência, retomando a palavra. “Vocês fazem bem em perguntar, pois é benéfico para os peregrinos aprenderem com seus erros passados, os quais lhes servem de disciplina, quando considerados com instrução e arrependimento.”
       “A ponte que viram tem muitos nomes. Ela foi construída pelos artífices da Feira das Vaidades, um antigo centro comercial das nossas terras. Ao longo de muitos séculos, peregrinos de todas as terras caíram em sua armadilha, para se desviarem do Caminho. Alguns a chamaram de Ponte da Vaidade; outros, Ponte do Amor Idólatra, visto que os peregrinos desejavam mais os seus tenros prazeres do que a alegria do caminho; ainda outros a chamaram de Ponte das Paixões da Juventude, da qual um antigo mestre, por nome de Paulo, escreveu, aconselhando seu discípulo a fugir dela. Mas o nome pela qual tem sido mais chamada ao longo destes séculos é simplesmente Ponte da Ilusão, pois não leva os peregrinos a lugar algum, a não ser ao vento.”
       Neste ponto, ambos tinham lágrimas nos olhos, tanto por se envergonharem de terem caído em tal armadilha, tendo perdido tanto tempo em sua caminhada; como por gratidão ao Senhor, que tão bondosamente os trouxera de volta ao caminho certo; percebendo também o quanto este era reto.
       “E o que acontece, então, com os outros que sobem essa ponte? Eles não voltam atrás, como nós o fizemos?”, perguntou Cristão.
      “Na verdade”, continuou Experiência, “são poucos os que voltam antes de sofrerem consequências maiores. Alguns, por se revoltarem contra o Senhor do caminho, voltam da ponte, mas não retornam jamais ao caminho estreito. Outros conseguem retornar, porém levam consigo cicatrizes e manchas que os acompanham pelo resto do caminho, ou pelo menos por uma boa distância. Há também outros que pulam nas águas, esperando encontrar terra firme, e se afogam. Outros, ainda, conseguem nadar até terra firme.”
       “Então estarão seguros, precisando somente encontrar o caminho reto?”, perguntou Cristão.
       “Sinto dizer que não. Acontece que a gruta em que estamos é bastante longa, e jamais os aventureiros que se jogam nas águas naquele trecho poderiam nadar distância tão grande a ponto de chegar ao lugar onde vocês sairão. As únicas terras próximas, para as quais poderiam nadar com segurança, são os jardins babilônicos, imitações dos jardins do nosso Rei, que os ignorantes chamam de Jardins da Felicidade, mas que nós chamamos Jardins de Ruínas; pois não visam dar descanso aos peregrinos em busca da sua amada Cidade, mas tornam-se a morada final dos que neles se acomodam; estas pobres almas desistem, assim, de ganhar a bem-aventurança eterna, trocando-a por uma vida tranquila e de boa companhia, cada um buscando sua própria felicidade. E, assim, com os corações carregados dos cuidados, riquezas e deleites deste mundo, permanecem entretidos em seus jardins. Por fim, esses mesmos jardins acabam por ser sufocados por espinhos, e lá jazem seus donos, em terras de espinheiros e de animais do deserto, habitadas apenas por corujas e chacais.”
       “Ouçam agora, meus filhos”, começou a dizer Conselheiro, “e prestem atenção às nossas palavras; guardem a repreensão, e deem ouvidos à disciplina. Prestem atenção ao caminho; não se desviem nem para a direita nem para a esquerda. Ainda que o caminho seja estreito e difícil, todavia a vereda dos justos é plana. Não desejem no coração os prazeres dos atalhos; antes, sejam como o antigo peregrino, que disse: “Sinto prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias por amor de Cristo. Porque quando sou fraco, então sou forte”. A graça do Senhor vos basta, pois Ele conhece o caminho dos justos, e nele vocês serão prósperos em tudo o que fizerem, pois em todas as coisas são mais que vencedores. Tão somente guardem o que já lhes foi dado, e nisto permaneçam, até que o Senhor os alivie. Jamais se aventurem por qualquer ponte, a não ser que observem duas coisas: (1) que tenham, desde o início de sua subida, plena certeza de que foi o Senhor que a edificou para vocês e a colocou em seu caminho; (2) que tenham em mãos a chave da qual precisam para atravessá-la. Sobretudo, guardem o seu coração, e não se desviem do firme propósito de subir diretamente à Cidade Celestial, a alegria das suas almas.

quinta-feira, 5 de maio de 2016

Caminho Fiel [Pt. 7] Conversas à mesa

         “Então, o que você fez?”, perguntou Conselheiro.
     “Eu recolhi todos aqueles materiais que achei no caminho”, respondeu Cristão, sobre como percorrera as primeiras léguas da peregrinação. A noite já ia avançada dentro da caverna, e os quatro conversavam animadamente à mesa. “No início”, continuou Cristão, “lamentei muito não ter outros viajantes em minha companhia. Mas, por providência do Senhor, outros peregrinos deixaram pelo caminho vários pergaminhos e livros, com instruções úteis (que suspeito tenham sido deixados propositalmente, para servirem de ajuda para viajantes como eu), assim como um mapa, os quais muito me ajudaram nos trechos seguintes, tanto para me fazer atento contra as ciladas de inimigos, como para dar-me consolo em minha caminhada.”
         “E você, Cristã?”, perguntou Experiência.
         “Bom, eu fui muito ajudada há algumas milhas daqui por um grupo de peregrinos em caravana, os quais me abrigaram ao longo da viagem, enquanto ainda era nova no caminho. Eles me alimentaram e me encheram de provisões de roupas e utensílios para minha expedição. Chego a dizer, com gratidão, que não estaria neste ponto do percurso (pelo menos não agora), não fosse o amor e cuidado que recebi deles nos estágios iniciais de minha jornada. Eles me deram o leite de que precisava para me fortalecer, assim como me ensinaram o poder da oração, a alegria da adoração e a maravilha do primeiro amor. Tenho muitas saudades desse trecho inicial do caminho.”
          “E onde está essa caravana?”, perguntou Conselheiro.
     “Bem... aconteceu que eu, também, encontrei alguns escritos pela estrada, aos quais meus companheiros não davam muita importância. Ocorreu que, lendo as informações que neles havia, aprendi mais sobre o caminho, seu terreno, relevo, sinais e até a geografia dos lugares pelos quais havíamos de passar. Aprendi também sobre habilidades de caminhada, que servem para facilitar o percurso.”
          “E então?”, perguntou Cristão, curioso.
    “Então, procurei ensiná-los acerca dessas coisas; porém, logo descobri que não teria a receptividade que desejava. Alguns dos peregrinos mais velhos pareciam ofendidos pelas novas (na verdade, antigas) instruções que eu havia descoberto, e que procurava ensinar. Sinto que, de alguma forma, pequei na minha insensatez, não sabendo quando falar e quando permanecer em silêncio, e confesso que demonstrei certa arrogância por haver tomado posse daquele conhecimento. Além disso, no meu afã por lutar em favor das verdades que tinha aprendido, esqueci de retribui-los com todo o amor que mereciam, pelo cuidado que me demostraram. Acredito que tive parte da culpa pelo afastamento que veio sobre nós naquele período. Sinto-me mal lembrando-me disso. O fato é que a maneira de caminharmos tornou-se tão diferente que tivermos de nos separar. De posse dos pergaminhos, eu os ultrapassei e, me apressando sozinha, continuei, até chegar na parte silenciosa do caminho onde você, Cristão, me encontrou.”
         “Foi essa a última vez que você os viu?”, perguntou Cristão.
     “Sim, infelizmente não os vi mais. Porém, tenho-os no meu coração, e espero encontra-los novamente um dia, para que possa expressar meu amor e gratidão.”

terça-feira, 3 de maio de 2016

Caminho Fiel [Pt. 6] Os peregrinos encontram algo na gruta

         Logo após entrarem na gruta, perceberam o silêncio que fazia em seu interior. Enxergavam bem, logo adiante deles, o chão seco, o qual Cristão iluminava; porém não viam mais do que poucos metros à sua frente.
      Caminharam ao longo do percurso temerosos, por causa do relato de Paixão. Esperavam encontrar demônios armados, como já tinham ouvido antes em histórias antigas sobre outros peregrinos que haviam caminhado por vales escuros.
       Porém, à medida que prosseguiam, encontravam a passagem cada vez mais iluminada com archotes laterais. Alguém estivera ali recentemente. O caminho continuava até onde suas vistas alcançavam, invariável e reto. Hesitantes, continuavam andando sem nada ouvir, a não ser o crepitar das chamas nas paredes rudes do interior da rocha. A luz da espada não era mais necessária neste ponto; mas Cristão a mantinha empunhada à sua frente, segurando-a com força.
          Chegando à metade da gruta, descobriram que o caminho se abria para as laterais, formando um lugar amplo no interior da caverna. Havia uma pequena mesa pouco mais alta que o chão, farta de comida, e duas pessoas sentadas no piso, à mesa, que os observaram. Pareciam estar esperando por eles.
            Houve um momento de tensão. E então:
            “Experiência!”, exclamou Cristã. “O que fazes aqui?”
     “Sejam bem-vindos, irmãos. Sentem-se um pouco, e descansem”, disse a mulher com amabilidade.
           Ambos se sentaram, um tanto perplexos de verem uma refeição posta num lugar tão incomum, no meio de um caminho inóspito. Contudo, os peregrinos sentiram-se aliviados por encontrarem rostos conhecidos, e felizes por se reencontrarem com velhos amigos, visto que Cristão também conhecia o homem, que se chamava Conselheiro. Esperando alguma pergunta ou explicação da parte de seus amigos mais velhos, os recém-chegados hesitavam, um tanto confusos; também procuravam disfarçar o quanto estavam famintos. “Comam, amigos. Sintam-se à vontade”, acrescentaram os anfitriões, descontraídos. Relaxando, eles puseram-se a comer e a beber avidamente, enquanto seus amigos esperavam, pacientemente, em silêncio. Quando já estavam um pouco mais recompostos, começaram a conversar sobre o caminho, seus perigos e surpresas, assim como as pessoas que tinham encontrado, enquanto continuavam a se deliciar com a refeição.