quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Evangelização e Reforma [3.2] - Patriotismo Institucional


Quando eu fui salvo, em 2009, fui bem impactado pelo evangelho. Em alguns momentos, eu chegava a tremer com as mão geladas ao pensar que algumas pessoas que eu conhecia estariam no inferno. Pensava: “Meu Deus... como posso ficar aqui tranquilo e comer normalmente, sabendo que meu amigo da escola estará no inferno?” Eu não acho que essa angústia seja, em si mesma, ruim. Pelo contrário, todos deveríamos para e refletir sobre isso de vez em quando. Muitas vezes a gente se acostuma com as verdades que já conhecemos e não paramos para pensar: pessoas estão perecendo ao nosso redor.

A verdade é que perdemos a paixão pelas almas. 

Agora, sei que algumas pessoas podem pensar o seguinte: “a minha motivação maior deve ser a glória de Deus, e não o amor pelas almas”. Sim, de fato, nossa motivação maior deve ser a glória de Deus. Mas que isso não exclua em nós o amor por aqueles que estão se perdendo. Uma coisa não exclui a outra; pelo contrário, quando amamos, estamos cumprindo toda a lei. A motivação da glória de Deus não exclui as outras motivações. Algumas pessoas, no afã de conhecer a doutrina reformada, acabam desprezando pontos essenciais da fé. Leitor, preste atenção nisso: se sua doutrina reformada te faz esfriar no amor pelas almas, ela está sendo um instrumento de pecado na sua vida. Precisamos recuperar esse amor pelos que não conhecem a Cristo. Sabe uma boa maneira de fazer isso? Aproxime-se dessas almas, conviva com elas. Misture-se com as pessoas.


O Patriotismo Institucional: É pecado evangelizar a mais de 3km da minha igreja

Talvez essa frase te pareça estranha. Deixe-me explicar. É claro que ninguém pronuncia essa ideia com essas palavras; fui eu quem a escreveu assim, com certo tom de ironia. O que ocorre é o seguinte: muitos pensam que, por fazerem parte de uma igreja local, têm que doar todo o seu sangue para ela e esquecer o resto do mundo. Por exemplo, consideram um pecado grave faltar alguma programação da sua igreja para evangelizar em algum outro contexto (ou para fazer qualquer outra coisa, pra ser mais exato). Elas acreditam que é sempre mais importante varrer uma sala na sua igreja local do que ganhar almas em qualquer outro canto. Por favor, não distorça minhas palavras: eu não estou afirmando que evangelizar é sempre mais importante que outras tarefas na igreja local, de certa forma secundárias. Eu estou apontando o erro de sempre considerar mais importante uma atividade na igreja local do que qualquer atividade fora dela, por mais importante que seja esta, e por mais trivial que seja aquela – sim, eu acredito sim na diferença entre atividades importantes e triviais. Resumindo, esse erro consiste em atribuir, incondicionalmente, maior importância a tudo que seja feito no contexto da própria igreja local. A isso, eu dou o nome de patriotismo institucional. É o que ocorre quando colocamos nossa instituição acima do Evangelho.

Segundo esse pensamento, no momento em que nos tornamos membros de uma igreja local, juramos lealdade a ela de tal forma que colocamos o sucesso daquela instituição específica acima de qualquer outra coisa, como se o nosso dever de servir ao Reino de Deus fosse idêntico ao de servir aquela instituição específica. Dessa forma, os membros devem agir como verdadeiros escravos, sem (quase) qualquer autonomia para decidirem o que fazer com seu tempo semanal; se a igreja marcou quatro programações na semana, o membro deve comparecer às quatro, sob pena de ser visto como negligente, irresponsável e rebelde. Em alguns contextos, o membro tem que praticamente pedir permissão a seu líder para faltar algum culto (!), ou então justificar a posteriori sua ausência com um motivo sério. É quase como se precisasse bater o ponto, para ser considerado fiel. Infelizmente, esse é um dos aspectos nos quais as igrejas evangélicas assumem características que mais lembram seitas do que uma família de irmãos sábios e maduros.

Muitas vezes, a participação dos membros é reduzida ao papel de meros espectadores que aceitam um modelo colocado diante deles, como estudantes de ensino fundamental que precisam assistir todas aquelas aulas da escola, sem ter liberdade nem maturidade suficiente para decidir como administrar seu tempo. Um louvorzão, uma reunião, um estudo, um culto, seja o que for; sua missão como membro é comparecer.

Mas precisamos entender o seguinte: faltar um culto não é pecado. Eu não posso, de forma nenhuma, dizer que sou mais fiel por ter ido num culto numa sexta à noite do que um irmão que preferiu sair com os amigos ou ficar lendo em casa. Ele não tem obrigação nenhuma de vir para o culto. Se ele o faz, é porque se sente feliz com isso; mas se não vier, isso não o torna menos espiritual. Ele pode estar saindo com amigos ou descansando em casa para a glória de Deus. Ninguém é obrigado a ser igual aos outros. Só porque gosto muito de pregações, teologia e doutrina, e estou disposto a estudar isso em quatro reuniões por semana, isso não significa que todos os irmãos devem ser da mesma forma. Nem sequer significa que nós, que gostamos de estudar, devemos manter o mesmo pique todos os anos das nossas vidas. A nossa piedade cristã não pode se tornar religiosidade humana, construída em regras e num modelo fechado de vida que tira a individualidade das pessoas e requer que se amoldem ao mesmo estilo de vida, fala, pensamento e costume. Mais uma vez, a perda da individualidade é uma característica de seitas, e não deve ser imitada pelo corpo de Cristo. A esse assunto, se aplica um pouco aquilo que falei sobre focos: na assembleia, o irmão fiel talvez seja visto como aquele que sempre vai para os cultos matutinos ou de meio-dia, que vai pra consagração, etc. Na Presbiteriana, onde há um foco (até certo ponto, ótimo) na Palavra de Deus, é muito fácil para nós cairmos na armadilha de dizer que só é fiel quem gosta de ir para todas as pregações expositivas e estudos bíblicos, no ritmo mais intenso possível. Se faltou sem um motivo justo, “é porque não está tão interessado na Palavra de Deus”. A piedade cristã, assim, é confundida com intelectualismo – com o quão intelectual, estudioso e livresco um irmão é.

Voltando ao assunto: O que acontece se, mesmo tendo uma programação na minha igreja local, outra oportunidade surge de servir ao Reino em outro lugar (como discipular alguém que não é daquela mesma igreja local ou evangelizar alguém que não mora naquele bairro)?

Alguns me dirão: “Deixe que a igreja daquela pessoa o discipule”. Quando dizem isso, estão provocando divisões no corpo, sufocando o crescimento espiritual da igreja e pedindo que abandonemos irmãos simplesmente pelo fato de fazerem parte de outra igreja local. É como se só a igreja local fosse o Reino de Deus; fora da instituição local, não existisse o Reino.

Muitas vezes, isso é afirmado porque a igreja local é vista como elemento de separação do corpo: faço parte da igreja X no bairro Y; portanto, esse é o foco da minha vida. Não preciso, assim, me preocupar com ninguém mais de outra igreja ou outro bairro – a menos que eu inicie um trabalho de plantio de igreja nesse outro bairro – por sinal, levando a bandeira da minha própria denominação.

Isso é resultado de dois erros: (1) o denominacionalismo (ou patriotismo institucional, como tenho dito); pensar que tudo o que se faz deve estar ligado, conectado, enxertado à instituição local à qual o cristão pertence. Assim, dá-se a impressão de que qualquer obra feita à margem da oficialidade é ilegítima; e (2) acreditar que só a liderança eclesiástica da igreja local tem legitimidade para levar à frente obras cristãs. Mas nas Escrituras, não vemos isso; todos os cristãos são chamados a tomar iniciativa, e o Reino de Deus está em cada um de nós e não é restrito a um clero. Enfim, na Nova Aliança, somos todos sacerdotes, e todos temos legitimidade para operarmos como agentes de reconciliação, onde quer que estejamos.

Além disso, nosso chamado é para fazer missões em todos os lugares, concomitantemente. Perceba que Jesus não falou: "Sereis minhas testemunhas no bairro em que moram em Jerusalém. Depois, evangelizarão a cidade inteira. Quando isso terminar, sereis minhas testemunhas na Judeia. Quando toda a Judeia for evangelizada, então ireis a Samaria. E, por fim, eventualmente chegarão aos confins da terra".

Muitas pessoas entendem dessa forma. Para elas, é uma distorção de valores querer evangelizar um bairro ou uma cidade distante, quando não já evangelizei exaustivamente meu próprio bairro. “Como você vai evangelizar lugar X se você nem evangelizou direito sua família e nosso bairro?”. E, com isso, acabam se acomodando, não fazendo nem uma coisa, nem outra.


A obra é contínua em todos os lugares: "e serão minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judéia e Samaria, e até os confins da terra". (Atos 1:8). Não se trata de etapas ou pré-requisitos a serem sucessivamente conquistados. Assim, somos chamados, como os discípulos foram, a evangelizarmos tanto nossos vizinhos, como pessoas mais ou menos próximas, como desconhecidos em qualquer canto do mundo – tudo isso ao mesmo tempo.