segunda-feira, 7 de agosto de 2017

"Não julgueis" [Pt.2 - Continuação sobre julgamentos levianos]



É muito fácil julgar de fora das situações. Nós, protestantes e reformados, julgamos muito pelas aparências. Vemos e ouvimos uma situação de fora e já temos o veredicto (nem sempre isso será impossível – há exceções). Quando estiver formando uma opinião sobre outro, faça-se as seguintes perguntas: “Já conversei com a pessoa em si sobre suas motivações? Já confrontei-a pessoalmente? Ou simplesmente vi a situação de fora e já tirei conclusões absolutas? Eu sei da situação? Eu estava lá? Eu escutei a versão de cada uma das partes envolvidas?” Tenha muita cautela com detalhes externos que você vê ou ouve de longe: você pode cometer erros.

Acima disso, lembre-se que fofoca é um pecado. Você já considerou interromper um irmão para dizer-lhe que não gostaria de participar da maledicência? 
Não é só ele que peca; também é aquele que lhe dá ouvidos: 

"O ímpio dá atenção aos lábios maus; o mentiroso dá ouvidos à língua destruidora." (Pv. 17.4)

***

Está na hora de finalmente lembrarmos desse trecho (“não julguem”) para entende-lo com profundidade e aplica-lo em nossas vidas. Se você está tranquilamente falando mal de outras pessoas, especialmente de quem você não conhece direito, cuidado: Não julgue, para não ser julgado. Pois a medida que você usa será usada contra você. A posição mais perigosa para um cristão é olhar alguém que cai e pensar: “Eu nunca faria isso”. É nesse momento que você está mais perto de cair.

Tenho enfrentado problemas e visto meus próprios pecados, e por isso, pela humilhação do pecado, tenho ficado cada vez mais lento em julgar quando vejo alguém caindo. Minha tendência em muitos casos era demonizar a pessoa, pensar mal dela, e comentar com outros sobre suas atitudes. Mas tenho visto que minha própria natureza também é capaz de fazer as mesmas coisas, e eu não gostaria que fizessem o mesmo comigo. É muito fácil ver o estopim, o ponto em que alguém cai, e condená-la sem ver todos os outros fatores que envolvem aquela pessoa.

“A misericórdia triunfa do juízo” (Tiago 2:13). Tenha cuidado para não ser implacável e emitir juízos sumários contra os outros. Quando descobrir defeitos de caráter de outros, procure lembrar de seus próprios defeitos crônicos. Vá aprender o que significa: quero misericórdia, e não sacrifício. Fale e aja como quem será julgado pela lei da liberdade; pois o juízo será sem misericórdia sobre quem não foi misericordioso.

Se você vê que pode estar caindo no pecado tão culturalmente comum da fofoca, saiba disso: ele é considerado um pecado gravíssimo pelas Escrituras (Pv. 6:19; Lv. 19:16). Você poder estar destruindo pessoas com a sua língua, pessoas que estão no mesmo processo de santificação que você e que, honestamente, poderiam até te ajudar e serem bênção na sua vida e dos irmãos te cercam, se você não as eliminasse do corpo, causando divisões.

Dessa forma, a fofoca é um ciclo vicioso: emaranha todo o corpo com desconfiança entre membros que seriam úteis uns aos outros não fosse por isso.

O primeiro a apresentar a sua causa parece ter razão, até que outro venha à frente e o questione.” (Provérbios 18:17). Medite nesse provérbio.

quinta-feira, 3 de agosto de 2017

Evangelização e Reforma [3.1] - O perigo do hipercalvinismo



Pois bem; tudo isso me leva agora a apresentar um dos temas reformados, a soberania de Deus, e como o foco exagerado nela pode levar a um entendimento distorcido da realidade. 

É conhecida a história de William Carey, missionário que queria contribuir para a salvação de uma nação distante, imersa no paganismo, levando ele mesmo o evangelho até eles. Como muitos sabem, os próprios líderes da sua igreja o repreenderam e o desprezaram, dizendo: “Você não precisa ir até lá. Se Deus quiser salvar aquele povo, Ele mesmo cuidará disso, e não precisará da sua ajuda”. Esse fato é tido como exemplo de como algumas pessoas tomaram a crença na soberania de Deus e a utilizaram para anular a responsabilidade humana em cumprir seus deveres. É o exemplo icônico para ilustrar o “hipercalvinismo”.

Será que o hipercalvinismo ainda existe hoje?

Infelizmente, eu diria que sim.

Para exemplificar, pensei em quatro afirmações que se aproximam da postura daqueles homens. Quero ressaltar, porém, que não afirmo aqui que elas são feitas com má intenção; são opiniões equivocadas, mas todas as quatro que aqui coloco, ouvi de irmãos queridos que realmente amam a Cristo. Todos nós temos nossos erros graves em doutrina e conduta. Como diz um bom amigo meu, filósofo e poeta: “cada um sabe a heresia e o fervor que tem no coração”.

São elas:

I – “Deus não ama os não eleitos”. Às vezes, estamos tão empolgados em termos descoberto a doutrina reformada, que reconhece que o amor salvífico de Deus foi estendido apenas às suas ovelhas, que chegamos ao ponto de fazermos afirmações absurdas como essa. Em nenhum lugar a Bíblia afirma isso, apesar de que podemos dizer, de fato, que Ele demonstra um amor diferente e especial ao seu povo. Temos de tomar muito cuidado para não ficarmos bitolados com um vocabulário estritamente calvinista e condenarmos a linguagem que a própria Escritura usa. Provavelmente, ainda escreverei algo sobre isso.

II – “Evangelizar é ter um bom testemunho”.

Todos nós já ouvimos essa ideia muitíssimas vezes, e continuaremos ouvindo até a nossa morte. Sempre há alguém para dizer: “Mas pregar o Evangelho não é só falar...”; “Você pode pregar simplesmente tendo uma boa conduta, não precisa necessariamente falar da Bíblia”; “Pregue o evangelho; e, se necessário for, utilize palavras”. Elas dizem que, para evangelizar, não precisamos necessariamente falar sobre Cristo como Senhor, sua morte, o juízo, a ressurreição, o arrependimento e a fé. Basta que demos um bom exemplo, e as pessoas acreditarão em todas essas coisas simplesmente pela nossa boa conduta.

É preciso dizer enfaticamente: precisamos sim falar do evangelho. A fé vem pelo ouvir da Palavra de Cristo, e não pelo ver a conduta do cristão. O evangelho é, antes de tudo, uma mensagem, com vários pontos específicos, e o ser humano precisa entende-los para se arrepender e crer verdadeiramente em Deus.

Algumas vezes, nossa aproximação será através simplesmente da amizade e da boa conduta, realmente. Temos de estar interessados nas pessoas em si, e não apenas em despejar uma mensagem pronta a todos. Mas só podemos dizer que evangelizamos alguém quando tivermos efetivamente contado o evangelho.

III – “Evangelizar é pregar na igreja”. Essa frase não é falsa, porém não abarca toda a verdade. Na verdade, acho que até podemos dizer sim que ela é falsa. Pregar na igreja é evangelizar, em certo sentido; mas não podemos simplesmente dizer o contrário: evangelizar é pregar na igreja. Evangelizar é pregar, principalmente, para os de fora, como Pedro fez no dia de Pentecoste: saindo do lugar onde estava e pregando à multidão que ainda não cria em Cristo.

IV – Minha igreja evangeliza, porque nela existe pregação bíblica”.

Se Pedro simplesmente falasse àqueles que já estavam na igreja, como o evangelho seria espalhado por todas as nações? Ele não organizou, no dia de pentecostes, um estudo bíblico sobre o profeta Joel a ser ministrado dentro do local onde estavam reunidos. 

Ele saiu para pregar.

Muitas vezes, quando falamos em evangelizar, focamos em chamar as pessoas para a igreja para, lá dentro, ouvirem o evangelho. Evangelizar, assim, é visto como sinônimo de “chamar para o culto”. Isso, na verdade, é um eco do hipercalvinismo, pois, quando afirmamos isso, o que na verdade estamos dizendo é o seguinte: “se alguém for eleito, virá até nós”. “Deus vai mandar os eleitos”. Isso é uma distorção do que a Bíblia nos ensina. Paulo escreveu: “Por isso, tudo suporto por causa dos eleitos, para que também eles alcancem a salvação que está em Cristo Jesus, com glória eterna.” (2 Timóteo 2:10). Portanto, se a sua igreja “evangeliza” apenas oferecendo pregação de qualidade àqueles que a visitam, a verdade é que ela não evangeliza.



Evangelizar é ataque! É o exército de Deus, munido da arma mais poderosa que existe, avançando contra o inferno! O próprio Jesus disse: “As portas do inferno não prevalecerão contra a Igreja”. É ir até os becos escuros e encruzilhadas, até os mancos, cegos e aleijados, arrancar nossos irmãos das trevas.