segunda-feira, 5 de setembro de 2016

O vírus liberal e seus diferentes estágios de infecção

Resenha entregue por ocasião do módulo "Teologias Contemporâneas", da ECH.


O liberalismo pode ser considerado, no século XXI, um dos nossos maiores inimigos – se não o maior. Temos lidado rotineiramente com a investidas do Inimigo contra a nossa fé, através de muitos falsos mestres que surgem para atacar a fé confiada aos santos, como já prediziam as Escrituras. Uma das utilidades do estudo da teologia contemporânea é saber de que forma nossa fé vem sendo atacada, e juntamente com isso aprender as respostas que as Escrituras dão a esses ataques. Entrando, assim, em contato prévio com esses agentes estranhos à sã doutrina, podemos ser vacinados e, assim, cuidar melhor das ovelhas que o Senhor nos tem confiado, face a tantas investidas do Maligno.

O liberalismo teológico tem algumas características que o identificam, tais como:

A ênfase na subjetividade, a negação da historicidade e a exaltação do relacionamento ético acima de qualquer outra coisa. Uma das grandes tendências do vírus liberal é incutir nas pessoas a ideia de que a Bíblia não pode ser confiada como um relato inerrante (seja de princípios morais, seja de fatos históricos). Dessa forma, estimula às pessoas que reduzam a Palavra de Deus a um mero livro que contém lampejos de luz, fragmentos de ensinos que vieram de Deus, mas que estão envoltos em histórias e palavras que não são inspirados por Deus. Sendo assim, a crença nos milagres é relegada a um segundo plano (ou, até mesmo, considerada como imaturidade e religiosidade humana), enquanto a essência da religião verdadeira é definida em termos de uma ética elevada. O cristianismo deixa de ser a fé num Salvador que operou milagres e que consumou um processo sobrenatural de expiação sacrificial, e passa a ser apenas um modo de vida. Uma moral. Cristo é apenas um exemplo a ser seguido. Devemos, como discípulos de Cristo, ver isso como um ataque frontal ao Evangelho que nos salvou, visto que ele é anulado por essas doutrinas – ao invés de um Salvador que morreu em expiação pelos nossos pecados, o cristianismo é reduzido a boas obras.

O ataque, porém, não fica só aí: a fonte de autoridade para a vida dos fiéis deixa de ser a Palavra de Deus e a tradição fiel a ela (uma fonte externa ao indivíduo) e passa a ser o próprio leitor, individualmente (autoridade interna). Assim, o liberalismo teológico, em verdade, mostra-se apenas como uma forma de relativismo disfarçada com argumentos teológicos. O indivíduo torna-se o intérprete último das Escrituras, desconsiderando tanto a tradição ortodoxa (a interpretação fiel que milhares de cristãos sustentaram ao longo da história) como também a própria Escritura, como intérprete de si mesma. Enxergando a Bíblia como um livro não inspirado, o indivíduo assume para si a autoridade para determinar o que, dentro dela, possui status de palavra de Deus ou não. A ética, assim, se torna autodeterminada. De repente, o indivíduo que é avarento lê a passagem que diz: “Ninguém pode servir a Deus e a Mamon”, e decide que aquilo não é Palavra de Deus para ele. Ou um jovem lê versículos em Provérbios alertando contra a imoralidade sexual e decide que isso é um tanto relativo. Portanto, um dos efeitos do liberalismo teológico é desconstruir a fé na objetividade da Palavra de Deus. Como consequência, os indivíduos por ele infectados acabam por se afastar do próprio Deus, pois a sua Palavra é uma expressão do seu caráter e vontade, como disse o nosso Senhor: “Santifica-os na tua verdade; a tua palavra é a verdade.” (João 17.17). Infelizmente, esse vírus não ataca somente o joio que está infiltrado no mundo, com aparência de trigo. Ele torna doentes as ovelhas de Cristo, as quais podem cair e se desviarem por caminhos muito tortuosos até serem disciplinadas pelo Senhor de volta para o caminho certo. Por isso, é tão importante que saibamos combater essa estratégia do inimigo dentro do meio evangélico.

Uma das estratégias que são utilizadas para inocular esse vírus no nosso meio é a utilização de termos próprios da linguagem cristã. Palavras como “salvação” e “perdão” e expressões como “nascer de novo” são utilizadas pelos difusores dessa doutrina, dando a impressão, à primeira vista, que eles creem nos pilares fundamentais da fé cristã. Contudo, trata-se de uma estratégia para infundir novas ideias de uma forma velada. O fato é que eles procuram conservar os termos utilizados nas Escrituras, sem negá-los abertamente, porém reinterpretando-os. Essa chamada “reinterpretação” de termos cristãos é, na verdade, a mudança completa dos conceitos que essas palavras representam. Assim, “salvação” talvez signifique a reestruturação de uma vida bagunçada. “Nascer de novo” talvez signifique uma reforma moral. “Casamento” talvez signifique um compromisso informal de fidelidade. “Jugo desigual” é um tanto relativo (já que o próprio conceito de “cristão” também se torna relativo, visto ser reduzido a alguém que tem uma boa moralidade). Deixa-se de lado os conceitos sobrenaturais que esses termos representam. Acontece que, usando esse artifício linguístico, eles conquistam a simpatia de cristãos de vários segmentos, para desviá-los do caminho da verdade; cumprindo, assim, a palavra do Senhor, que nos alertou: “Cuidado com os falsos profetas. Eles vêm a vocês vestidos de peles de ovelhas, mas por dentro são lobos devoradores.” (Mateus 7:15).

É necessário ter em mente, porém, que o liberalismo possui vários níveis. Existe o liberalismo clássico, irmão do Iluminismo, que nega frontalmente e abertamente as verdades essenciais da Palavra de Deus. É raro, porém, encontrar esse tipo “original”, por assim dizer, de liberalismo. Outras doutrinas vão surgindo ao longo das décadas, e tentativas de amenizar o liberalismo tomam força. A neo-ortodoxia é um exemplo disso: chamamos ela simplesmente de “liberalismo” (como chamamos qualquer doutrina que relativize as Escrituras em algum nível), mas ela, tecnicamente, foi uma reação que procurou fazer oposição a ele. Pode-se dizer que ela procurou estabelecer um meio termo entre a ortodoxia cristã e o liberalismo teológico. Contudo, como diz o Dr. Augustus Nicodemus no seu artigo “Não se fazem mais liberais como antes”, os “liberais” de nossa época são assim: ficam numa posição intermediária e não admitem abertamente suas posições teológicas controversas. É exatamente por isso que são tão perigosos: porque são sutis – têm pele de ovelha. É importante, por causa de tudo isso, que mantenhamos a nossa fidelidade ao nosso Senhor, que nos chamou, e jamais estejamos dispostos a fazer qualquer síntese com o pensamento do mundo. Jamais qualquer concessão em termos da verdade. Tornou-se moda em nossa época flertarmos com a “tolerância” (uma palavra distorcida em nossos dias, que representa um dos principais princípios que o Inimigo tem levantado neste século). Antes e acima de qualquer tolerância no campo da crença, devemos ser completamente fiéis à Palavra de Deus. Ainda que o mundo inteiro relativize a Palavra de Deus – nem que seja só um pouquinho – devemos permanecer firmes, sabendo que fazemos parte, não do mundo, mas de um pequenino rebanho. Nossa fé deve ser: “A tua palavra é a verdade desde o princípio, e cada um dos teus juízos dura para sempre.” (Salmos 119:160).