O liberalismo pode ser
considerado, no século XXI, um dos nossos maiores inimigos – se não o maior. Temos
lidado rotineiramente com a investidas do Inimigo contra a nossa fé, através de
muitos falsos mestres que surgem para atacar a fé confiada aos santos, como já
prediziam as Escrituras. Uma das utilidades do estudo da teologia contemporânea
é saber de que forma nossa fé vem sendo atacada, e juntamente com isso aprender
as respostas que as Escrituras dão a esses ataques. Entrando, assim, em contato
prévio com esses agentes estranhos à sã doutrina, podemos ser vacinados e,
assim, cuidar melhor das ovelhas que o Senhor nos tem confiado, face a tantas
investidas do Maligno.
O liberalismo teológico tem
algumas características que o identificam, tais como:
A ênfase na subjetividade, a
negação da historicidade e a exaltação do relacionamento ético acima de
qualquer outra coisa. Uma das grandes tendências do vírus liberal é incutir nas
pessoas a ideia de que a Bíblia não pode ser confiada como um relato inerrante
(seja de princípios morais, seja de fatos históricos). Dessa forma, estimula às
pessoas que reduzam a Palavra de Deus a um mero livro que contém lampejos de luz,
fragmentos de ensinos que vieram de Deus, mas que estão envoltos em histórias e
palavras que não são inspirados por Deus. Sendo assim, a crença nos milagres é
relegada a um segundo plano (ou, até mesmo, considerada como imaturidade e
religiosidade humana), enquanto a essência da religião verdadeira é definida em
termos de uma ética elevada. O cristianismo deixa de ser a fé num Salvador que
operou milagres e que consumou um processo sobrenatural de expiação
sacrificial, e passa a ser apenas um modo de vida. Uma moral. Cristo é apenas
um exemplo a ser seguido. Devemos, como discípulos de Cristo, ver isso como um
ataque frontal ao Evangelho que nos salvou, visto que ele é anulado por essas
doutrinas – ao invés de um Salvador que morreu em expiação pelos nossos
pecados, o cristianismo é reduzido a boas obras.
O ataque, porém, não fica só aí:
a fonte de autoridade para a vida dos fiéis deixa de ser a Palavra de Deus e a
tradição fiel a ela (uma fonte externa ao indivíduo) e passa a ser o próprio
leitor, individualmente (autoridade interna). Assim, o liberalismo teológico,
em verdade, mostra-se apenas como uma forma de relativismo disfarçada com
argumentos teológicos. O indivíduo torna-se o intérprete último das Escrituras,
desconsiderando tanto a tradição ortodoxa (a interpretação fiel que milhares de
cristãos sustentaram ao longo da história) como também a própria Escritura,
como intérprete de si mesma. Enxergando a Bíblia como um livro não inspirado, o
indivíduo assume para si a autoridade para determinar o que, dentro dela,
possui status de palavra de Deus ou não. A ética, assim, se torna
autodeterminada. De repente, o indivíduo que é avarento lê a passagem que diz: “Ninguém
pode servir a Deus e a Mamon”, e decide que aquilo não é Palavra de Deus para
ele. Ou um jovem lê versículos em Provérbios alertando contra a imoralidade
sexual e decide que isso é um tanto relativo. Portanto, um dos efeitos do
liberalismo teológico é desconstruir a fé na objetividade da Palavra de Deus.
Como consequência, os indivíduos por ele infectados acabam por se afastar do
próprio Deus, pois a sua Palavra é uma expressão do seu caráter e vontade, como
disse o nosso Senhor: “Santifica-os na tua verdade; a tua palavra é a verdade.”
(João 17.17). Infelizmente, esse vírus não ataca somente o joio que está
infiltrado no mundo, com aparência de trigo. Ele torna doentes as ovelhas de
Cristo, as quais podem cair e se desviarem por caminhos muito tortuosos até
serem disciplinadas pelo Senhor de volta para o caminho certo. Por isso, é tão
importante que saibamos combater essa estratégia do inimigo dentro do meio
evangélico.
Uma das estratégias que são
utilizadas para inocular esse vírus no nosso meio é a utilização de termos
próprios da linguagem cristã. Palavras como “salvação” e “perdão” e expressões
como “nascer de novo” são utilizadas pelos difusores dessa doutrina, dando a
impressão, à primeira vista, que eles creem nos pilares fundamentais da fé
cristã. Contudo, trata-se de uma estratégia para infundir novas ideias de uma
forma velada. O fato é que eles procuram conservar os termos utilizados nas
Escrituras, sem negá-los abertamente, porém reinterpretando-os. Essa chamada “reinterpretação”
de termos cristãos é, na verdade, a mudança completa dos conceitos que essas
palavras representam. Assim, “salvação” talvez signifique a reestruturação de
uma vida bagunçada. “Nascer de novo” talvez signifique uma reforma moral. “Casamento”
talvez signifique um compromisso informal de fidelidade. “Jugo desigual” é um
tanto relativo (já que o próprio conceito de “cristão” também se torna
relativo, visto ser reduzido a alguém que tem uma boa moralidade). Deixa-se de
lado os conceitos sobrenaturais que esses termos representam. Acontece que,
usando esse artifício linguístico, eles conquistam a simpatia de cristãos de
vários segmentos, para desviá-los do caminho da verdade; cumprindo, assim, a
palavra do Senhor, que nos alertou: “Cuidado com os falsos profetas. Eles vêm a
vocês vestidos de peles de ovelhas, mas por dentro são lobos devoradores.”
(Mateus 7:15).
É necessário ter em mente, porém,
que o liberalismo possui vários níveis. Existe o liberalismo clássico, irmão do
Iluminismo, que nega frontalmente e abertamente as verdades essenciais da
Palavra de Deus. É raro, porém, encontrar esse tipo “original”, por assim
dizer, de liberalismo. Outras doutrinas vão surgindo ao longo das décadas, e
tentativas de amenizar o liberalismo tomam força. A neo-ortodoxia é um exemplo
disso: chamamos ela simplesmente de “liberalismo” (como chamamos qualquer
doutrina que relativize as Escrituras em algum nível), mas ela, tecnicamente,
foi uma reação que procurou fazer oposição a ele. Pode-se dizer que ela
procurou estabelecer um meio termo entre a ortodoxia cristã e o liberalismo
teológico. Contudo, como diz o Dr. Augustus Nicodemus no seu artigo “Não se
fazem mais liberais como antes”, os “liberais” de nossa época são assim: ficam
numa posição intermediária e não admitem abertamente suas posições teológicas
controversas. É exatamente por isso que são tão perigosos: porque são sutis –
têm pele de ovelha. É importante, por causa de tudo isso, que mantenhamos a
nossa fidelidade ao nosso Senhor, que nos chamou, e jamais estejamos dispostos
a fazer qualquer síntese com o pensamento do mundo. Jamais qualquer concessão
em termos da verdade. Tornou-se moda em nossa época flertarmos com a “tolerância”
(uma palavra distorcida em nossos dias, que representa um dos principais
princípios que o Inimigo tem levantado neste século). Antes e acima de qualquer
tolerância no campo da crença, devemos ser completamente fiéis à Palavra de
Deus. Ainda que o mundo inteiro relativize a Palavra de Deus – nem que seja só
um pouquinho – devemos permanecer firmes, sabendo que fazemos parte, não do
mundo, mas de um pequenino rebanho. Nossa fé deve ser: “A tua palavra é a
verdade desde o princípio, e cada um dos teus juízos dura para sempre.”
(Salmos
119:160).