segunda-feira, 23 de maio de 2016

Caminho Fiel [Pt. 11] Reunião com os peregrinos no saguão

       Após alguns momentos, durante os quais os peregrinos descansaram e conversaram com seus novos companheiros, Conselheiro mandou reunirem-se todos os peregrinos que lá se achavam, os quais começaram a vir das câmaras interiores. Eles notaram que o grupo de pessoas que ali estava era bem diferente daqueles com os quais estavam acostumados em suas terras de origem; pessoas com diferentes tipos de vestimentas, modos de se portar e aparência física, porém todos se entendiam na mesma língua. O grupo era claramente heterogêneo, proveniente de muitas terras diferentes. Quando todos estavam reunidos no saguão principal, Conselheiro tomou a palavra.


       Conselheiro – Sejam bem-vindos, amigos. Eu os trouxe todos aqui para adorarem ao Senhor e para serem tratados de suas feridas, pecados e ignorância, antes que prossigam no caminho. Tomem lugar, e assentem-se todos.

       Cristão e Cristã notaram que cada grupo sentou-se com seus semelhantes; alguns, nos sofás que lá havia; outros em almofadas no chão, semelhantes às que encontraram dentro da gruta. Havia lugar suficiente para todos se acomodarem. Notaram, também, que dois daqueles grupos permaneciam bastante quietos e reservados, mantendo-se de pé ao derredor de todos: o primeiro era formado de seis pessoas, em roupas simples e surradas, com a pele fustigada pelo Sol; tinham aquela aparência inconfundível de pobreza. O segundo grupo era de quatro pessoas, dois homens e duas mulheres, com uma aparência bastante estranha: suas vestes eram mais coloridas que o arco-íris, seus cabelos eram extravagantes, havia brincos, pingentes e até guizos que pendiam de seus corpos, cabelos e roupas. Cristão e Cristã ficaram imaginando que tipo de pessoas eram aquelas. Notaram que alguns dos outros viajantes olhavam desconfiados para um ou outro grupo, às vezes cochichando algo com alguém de sua própria caravana. Ambos os grupos, em pé, pareciam estar pouco à vontade em estar ali.
       Conselheiro, então, os notou.
       Conselheiro – O que houve, amigos? Por que não se sentam mais próximo?
       Homem pobre – Estamos bem aqui mesmo, obrigado.
       Conselheiro – Não; certamente devem se sentar aqui, ao meu lado. – ao que o primeiro grupo sentou-se, ainda inseguro, no chão próximo a Conselheiro.
       Conselheiro – Temos de ter muito cuidado, para que ajamos de forma digna do evangelho. A lei do nosso Rei diz: amarás o teu próximo como a ti mesmo. Mas, se tratarmos as pessoas com parcialidade, fazendo acepção, seremos condenados como transgressores. E quanto a vocês? – disse, dirigindo-se ao outro grupo.
       Grupo de peregrinos desconhecidos – Senhor, nós viemos de uma cidade indigna; não convém a nós nos sentarmos junto com vocês, além do que nos sentimos constrangidos tão somente de estar neste lugar. Por isso, estamos mais do que satisfeitos em ouvi-lo de longe, honrado Conselheiro.
       Conselheiro – de forma nenhuma, amigos. Sentem-se aqui e contem-nos sua história; vocês serão os primeiros, assim que eu tiver passado minhas instruções principais.
       À essa palavra, eles ruborizaram, e sentaram-se também em alguns lugares vagos.
       Conselheiro – Tenho muitas coisas que ensinar a vocês, algumas das quais vocês não podem ainda suportar. Podemos agora começar, visto que nosso número está completo; aqueles que faltavam chegaram até nós.
       Cristão – Ele está falando de nós? – sussurrou para Cristã.
       Cristã – Nós fomos os últimos a chegar, então acho que sim…
       Uma jovem ao lado deles escutou-os sussurrando. Era a mesma que tinha falado com eles no início, junto com dois outros peregrinos. Cristã a tinha notado como uma das mais jovens do ambiente. Ela usava um vestido simples de lã e uma longa trança única atrás da cabeça. Ela acrescentou, no mesmo tom: "Sim, são vocês mesmo. Nós esperamos vocês desde a noite passada."
       Cristã – Então, sabiam que viríamos?
       Peregrina desconhecida – sim, nós sabíamos.
       Cristão – Como? Quem lhes contou sobre nós?
       Peregrina desconhecida – Isso não vem ao caso agora. De qualquer forma, nós esperávamos recebê-los ontem à noite, para nos reunimos todos e ouvir as instruções. Conselheiro não queria fazer a reunião, a menos que todos estivessem aqui. Por isso, ficou preocupado e foi buscá-los com Experiência.
       Cristão – Nosso atraso atrapalhou vocês em alguma coisa?
       Peregrina desconhecida – Bom, na verdade havia outras coisas planejadas para esta manhã; acho que serão feitas mais tarde. Conselheiro quer terminar logo os preparativos para que continuemos viagem.
       Cristão e Cristã ruborizaram. Cristã pensou: “Então nossa caminhada na Ponte da Vaidade não atrasou a nós somente, mas a todo este grupo de peregrinos”.
       “... e por isso enviamos mais uma escolta para sondar. Creio que o caminho estará limpo e seguro para passagem”, continuava Conselheiro.
    “Qual o seu nome?”, perguntou Cristão, ainda sussurrando.
       “Pois não, Cristão?” – Conselheiro os ouvira. “Vocês têm alguma dúvida sobre o reconhecimento de campo?”
       “Não, senhor.”
   “Bom”, prosseguiu, “vamos cuidar logo de algumas necessidades. Todos vocês precisam estar preparados para o resto da sua jornada. Devo começar com uma pergunta: todos aqui entraram pela Porta Estreita?”
       Todos assentiram.
       Conselheiro – Todos aqui, então, têm em mãos o certificado que é entregue aos que passam por ela?
       Todos, à uma, apresentaram seus certificados.

       Conselheiro – Muito bem, irmãos. Saibam que apenas os verdadeiros peregrinos possuem essa prova em mãos; lembrem-se das três proposições que esse diploma traz: (1) este peregrino crê na verdade; (2) este peregrino anda na luz; (3) este peregrino ama os irmãos. Mediante essas coisas, vocês sabem que pertencem a Deus.
       Bom, essa foi a primeira questão, a mais crucial – continuou ele –; prossigamos à segunda, também muito importante. Quem de vocês está aqui sozinho, isto é, não estava acompanhado de outros irmãos antes de chegar aqui?
       Quatro peregrinos levantaram suas mãos; dois deles estavam no grupo de peregrinos pobres; o terceiro era um jovem bem vestido, e a quarta era uma senhora de aparência amável.

       Conselheiro – Vocês perduraram em coragem em uma situação incomum. Deus os recompense pela sua perseverança e ânimo em terem se mantido firmes. Porém, eu lhes aconselho e exorto: a partir deste ponto do caminho, vocês devem se manter juntos de seus companheiros peregrinos, tanto pela sua necessidade deles, como deles de vocês; só assim conseguirão suportar os desafios que os esperam mais à frente.
       Prosseguiu, então, e falou: “quem de vocês ainda não tem armas e equipamentos de ataque e defesa?”, ao que alguns levantaram suas mãos; “à sua saída, então, passem pelo nosso arsenal, e peguem as armas que lhes foram reservadas.”
       Além disso – continuou – Está alguém dentre vocês doente? Vocês se feriram no caminho?
       Vários dos presentes levantaram as mãos. Via-se claramente que alguns tinham feridas externas, envoltas em bandagens sujas de sangue. Muitos tinham feridas pustulentas que cheiravam mal. Outros tinham chegado mancando do interior do santuário. Um ou outro tinha um membro amputado. Havia ainda outros que andavam guiados pelos companheiros, como cegos. E vários outros diziam seus problemas:
       “Meus ossos estão envelhecidos”, disse um homem de aparência exausta.
       “Eu acabo de sair de um lamaçal horrível”, disse um homem cheio de lodo.
       “Não consigo me movimentar”, disse um homem cujo corpo estava preso por cordas.
       “Eu quase me afoguei”, disse outro com a roupa suja de algas.
       E não poucos apresentavam outros problemas, como tremores, febre, desânimo e insônia.
       Conselheiro, então, juntou-os e, orando em favor deles, ungiu-os com óleo. Ele disse: “A oração da fé salvará o doente, e o Senhor o levantará; e, se houver cometido pecados, ser-lhe-ão perdoados.” Erguendo suas mãos, disse:

          Abençoe o Pai com seu amor
          Guarde-os na mão o Poderoso Pastor

          Brilhe em vós a luz do seu rosto
          Claro como o dia
          Os que olham para ele
          Estão radiantes de alegria

          Ungidos com o óleo, unidos em gratidão
          Sede cheios do Espírito, e da sua comunhão
          Abri a boca, uns aos outros edificais
          Com melodias e cantos espirituais

          Cubra-os o Cristo com seu sangue eficaz,
          Seja sobre vós a Graça e a Paz

       Levantando seus olhos para todos, disse: “Confessem as suas culpas uns aos outros, e orem uns pelos outros, para que sejam sarados.”
      Todos se entreolharam. Após alguns momentos de silêncio, a mulher idosa começou a relatar seus pecados. Dos mais velhos aos mais jovens, um a um, todos começaram a falar ao mesmo tempo. Um burburinho começou no local, enquanto cada um se dirigia a seu próximo, confessando seus pecados. Alguns batiam no próprio peito, outros choravam. Alguns falavam em grupos; outros se afastavam para falar a sós com outros irmãos. Todos permaneceram assim por algum tempo.
       Cristão e Cristã aproveitaram o momento para confessar novamente seus pecados um ao outro. Também o fizeram diante de todos os irmãos, lamentando os terem atrasado; também ouviam sobre os pecados e fraquezas de seus companheiros. Muitos também oravam a Deus, e as orações se misturavam em meio ao ambiente.
       O silêncio foi gradativamente voltando ao saguão, à medida que todos se aquietavam. Conselheiro, então, perguntou-lhes: “Como vocês se sentem?” Ainda que não recuperados completamente em seu vigor, os viajantes se sentiam bem melhor, como se um fardo lhes fora tirado das costas.

       Conselheiro – É importante que vocês confessem seus pecados uns aos outros, pois fazem parte do mesmo corpo. Vocês são remédio uns para os outros, assim como o ferro afia o ferro; um verdadeiro amigo que conhece seus pecados e os cura com paciência e benevolência é um bem precioso. Um pecado não confessado cria raízes, mas onde há um amigo fiel, há vitória. Vocês são membros uns dos outros. Assim, “não deixarás de repreender o teu próximo pelo pecado, mas amarás o teu próximo como a ti mesmo”. Façam isso, e levem assim os fardos uns dos outros, pois isso é cumprir a lei de Cristo. Usem da língua de forma sábia; pois melhor é a repreensão feita abertamente do que o amor oculto, e há palavras que ferem como espada, mas a língua dos sábios traz a cura. Portanto, se algum de vocês for surpreendido em algum pecado, que os demais o restaurem com espírito de mansidão. Sejam também prontos para ouvir.
       Por fim, quem aqui ainda não tem o Mapa? – e finalizou por entregar cópias do mapa daquela terra àqueles que ainda não o tinham. Sentando-se todos novamente, prosseguiu para conhecer melhor seus companheiros, dirigindo-se ao grupo de peregrinos excêntricos.

       Conselheiro – Pois não; ouçamos agora. Quem são vocês e de onde vêm?

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