sábado, 13 de julho de 2019

Discordâncias com a Doutrina Reformada (1): Disciplina eclesiástica

Decidi escrever textos sobre pontos específicos nos quais discordo da doutrina reformada. Já faz bastante tempo que penso em fazer isso, mas só hoje tive a iniciativa. Pelo menos, deixo registrado aqui meus raciocínios, que nem sempre tenho oportunidade de explicar / lembrar em situações específicas.

O primeiro ponto sobre o qual quero falar mais detidamente é a disciplina. Na Bíblia, nós a vemos como um meio pelo qual um irmão deve ser convencido de um pecado não confessado, ou seja, uma forma de levá-lo ao arrependimento quando ainda não o fez. 

Porém, hoje em dia a disciplina é na maioria das vezes aplicada como mera forma de punição - às vezes, de pecados não públicos, que já foram tratados, "arrependidos", confessados à parte ofendida e por esta perdoados. Mesmo assim, depois de todos esses pontos estarem tranquilamente concluídos, a liderança da igreja é inclinada a tomar a iniciativa de disciplina, por uma mera questão de punição. 

Onde, nas Escrituras, vê-se essa prática?

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

Por que não sou 100% reformado

Tudo o que eu te ordeno, observarás para fazer; nada lhe acrescentarás nem diminuirás. (Deuteronômio 12:32)Por que não sou 100% reformado, em poucas palavras:



Uma máxima conhecida no meio cristão é a seguinte: A Bíblia é nossa regra de fé e prática. Fé (crença) e prática (atitudes). Em qualquer grupo cristão, haverá falhas no que tange a ambos os aspectos. No meio reformado, ambos abrigam muitas falhas. As mais visíveis e comentadas são as falhas práticas. São sutis e numerosas. Porém, neste texto curto, vou me ater apenas às minhas discordâncias com a “fé” (teologia, doutrina) reformada. 



Sola Scriptura 



Quando um protestante diz “a Bíblia é minha regra de fé”, ele ao mesmo tempo faz algo bom (demonstra boa vontade em sujeitar sua mente à Bíblia), e algo talvez não tão bom: ele está se gabando de que suas doutrinas têm autoridade bíblica. Elas não são peculiaridades do seu segmento religioso. São A Verdade. 

O problema é que o Sola Scriptura é, em quase todos os casos, uma falácia. É um princípio maravilhoso que deve ser buscado por todos… porém, não é cumprido. A Bíblia é proclamada como regra de fé e prática, e isso é assumido como verdade incontestável, mas quando vamos às doutrinas específicas, o texto bíblico é distorcido para incluir muitas doutrinas humanas, fruto de tradições / inferências / raciocínios falíveis em cima do texto bíblico. 

O grande problema não é haver esses raciocínios e inferências que geram interpretações. O problema é dar a eles o peso de doutrina, de autoridade bíblica, de pontos blindados pelo Sola Scriptura. 

O raciocínio é o seguinte: 

1. Nós somos protestantes / reformados. 

2. Cremos no Sola Scriptura como uma doutrina essencial a um cristão. 

3. Logo, as várias doutrinas que a igreja reformada / teólogos reformados advogam devem ser bíblicas. Afinal, eles levam isso muito a sério e estudam bastante. 

Você percebe? O problema está na conclusão “3”. Faz-se um salto, de (2) aceitar o Sola Scriptura como princípio essencial para (3) presumir que todas as doutrinas específicas devem logicamente ter sido extraídas da Bíblia. O caminho deveria ser o inverso: comprovar cada doutrina indo direto ao texto bíblico. 

A questão, porém, às vezes se complica, pois como seres humanos, nossa leitura bíblica sempre será tendenciosa, defeituosa. Não estou dizendo que isso é feito com malícia, mas o fato é que, para justificar uma crença teológica, alguém olhará para o texto bíblico de maneira predisposta, acreditando piamente que suas interpretações / inferências / raciocínios em cima do texto são absolutamente fiéis e indicam apenas o que está no texto – mesmo quando não está! Assim, existe um grau de religiosidade muito grande no meio reformado, onde vê-se como inquestionáveis suas doutrinas e tradições, e como quase inerrantes seus teólogos mais conceituados, suas teologias sistemáticas, suas pregações, livros e palestras em conferências. Há, assim, certa idolatria em ver a doutrina reformada como um bloco indivisível de doutrinas igualmente perfeitas; todo reformado deve concordar com todas elas.

--> Coloco aqui, a título de exemplo, uma pequena lista de doutrinas reformadas para as quais não vejo base bíblica:

- Princípio regulador do culto (a noção de culto público é completamente alheia ao NT);
- Batismo infantil;
- Domingo como o dia de descanso;
- Lazer proibido no dia de descanso;
- A própria noção de "sacramentos", meios de graça, vinculação da “ministração” a uma autoridade eclesiástica;
- Dízimo;
- Disciplina eclesiástica como punição (para pecadores já arrependidos);
- A negação absoluta de qualquer dignidade inerente ao ser humano (mesmo caído);
- A negação de reconhecer alguém como justo / bom / íntegro, por causa da depravação total, quando a própria Bíblia o faz muitas vezes;
- A noção de que o homem, por ser líder, tem necessariamente e em todos os casos culpa por qualquer pecado da sua esposa / filhos, o que anula o princípio básico da responsabilidade individual;
- A necessidade de ter a permissão de outra pessoa (pais, líderes eclesiásticos) para escolher com quem casar;
- A noção de que, para ocupar um cargo eclesiástico, alguém precisa primeiro ter seu chamado "confirmado" - isto é, reconhecido pela maioria dos membros da sua comunidade cristã. Isso é tido como um dogma bíblico, quando em nenhum momento a Bíblia o coloca como critério / requisito para que alguém seja presbítero / diácono; às vezes, esse "requisito" é até mesmo estendido a outros cargos além desses dois, indo ainda mais longe nos acréscimos ao texto bíblico.

São apenas alguns exemplos. Eu sei que meramente citar apenas um deles num roda de conversa vai gerar uma discussão interminável. Porém, discutir sobre cada um deles não é meu objetivo aqui, neste texto – usei eles apenas como exemplos para mostrar: (1) pontos em que discordo da doutrina reformada; e (2) que o Sola Scriptura não é um “trunfo” dos reformados, como se esse grupo o cumprisse, e os demais não. Acredito que esse princípio pode, sim, ser grandemente cumprido, mesmo por uma comunidade de pecadores, mas infelizmente não é o que vejo atualmente no meio reformado. O primeiro passo em relação a essa questão seria reconhecer, em humildade, essa realidade.