sexta-feira, 21 de julho de 2017

Evangelização e Reforma [Pt. 3] – Falhas comuns no meio reformado


Como falei anteriormente, acredito que a doutrina reformada não prejudica o evangelismo; pelo contrário, o estimula. Porém, voltando agora os olhos para a realidade, precisamos lidar com o que acontece de fato entre os reformados. Infelizmente, o que se pode dizer em defesa da doutrina reformada não pode ser dito, muitas vezes, dos reformados; e muitos acabam confirmando o estereótipo por distorcerem uma crença que deveria ser boa.

Cada grupo de pessoas tem um foco

Todos temos aqueles assuntos que estão sempre na nossa cabeça. Podem ser vários: política, alimentação saudável, esportes ou a vida acadêmica. Mas uma coisa é certa: é inevitável para o ser humano ter determinado “estilo” de pensamento, guiado por seus temas preferidos, os quais sempre dão um jeito de invadir as conversas. Quem não conhece aquele amigo que está sempre falando dos mesmos assuntos que o empolgam? Um deles gosta muito de Senhor dos Anéis, e tudo, para ele, remete a algo daquela história; outro, é fascinado por missões, e em todo lugar encontra algo relacionado a isso; outro, adora o tema da cosmovisão cristã, e tudo para ele é explicado a partir da dicotomia secular/sagrado (ou, melhor dizendo, da sua inexistência); outro, está sempre pensando em termos do Direito, relacionando tudo com algum princípio ou regra jurídica; e assim por diante. Todos nós interagimos com o mundo através de lentes específicas.

Também é assim com a teologia: toda teologia tem seu foco. Não é que elas necessariamente procurem distorcer a verdade; o que ocorre é que determinado universo (a Bíblia, por exemplo) é tão rico, tão variado e tão repleto de assuntos diversos que nós acabamos por escolher nossos temas favoritos e focar neles. É simplesmente parte da experiência humana. Sempre que lemos um Salmo, as cartas de Paulo ou as histórias bíblicas, imprimimos no texto nossa teologia – isto é, o foco trazemos na mente. Se o foco de alguém for casamento, encontrará alguma forma de falar sobre casamento num Salmo sobre a destruição de Jerusalém. Se for cosmovisão cristã, encontrará algo para falar sobre ela na história do profeta que fez flutuar um machado. Se for a diferença de gênero homem-mulher, enxergará isso no relato sobre a multiplicação dos pães.

É um exercício interessante procurar descobrir qual o “tema” predominante em cada pessoa que conhecemos.

Enfim: cada teologia tem seu foco. A (a)teologia das Universidades de hoje (isto é, da “religião” que elas seguem) tem como foco os dogmas esquerdistas: aborto, homossexualismo, legalização das drogas, desarmamento e, acima de tudo, ideologia de gênero. O catolicismo, grosso modo, foca nos sacramentos e na figura de Maria. Os neopentecostais, em cura, vitória, dinheiro e demônio. Já os pentecostais focam nos dons espirituais e no batismo com o Espírito Santo. E o foco dos reformados é...?

Alguém tem alguma ideia?

Será que os reformados têm um foco?

Alguns poderiam dizer o seguinte: “não, a doutrina reformada não tem um foco arbitrário como as outras; seu foco é o próprio evangelho. Então, ela é uma visão bem equilibrada de tudo o que as Escrituras falam, pois preza pela Bíblia como sendo a Palavra de Deus, defendendo os princípios do sola scriptura, tota scriptura, etc, etc...”

Acredito que essa é uma visão adotada por muitos que acabaram de conhecer o “mundo reformado”, por assim dizer, e ainda estão “superempolgados” com a reforma. Como conseguiram novas lentes para enxergar o mundo de forma mais bíblica, são absorvidos por essa nova luz a ponto de serem deslumbrados.

Mas, como toda empolgação “jovial”, ela esfria com o tempo, à medida que a maturidade vai, aos poucos, formando uma visão mais realista da vida. Não é que a doutrina reformada seja ruim; e sim que não devemos adotar uma postura infantil e idolatrá-la, a ponto de achar que o meio reformado é uma utopia realizada. 

Enfim, voltando ao assunto: será que os reformados têm um foco? 

A minha resposta é sim. Faça o teste: escute pregações, leia livros, veja palestras e até mesmo converse com seus irmãos, e começará a perceber alguns focos.

E aqui vai: acredito que as palavras-chave para indicar o foco dos reformados são *soberania de Deus* e *depravação humana*.

Soa familiar? Ouviu alguma pregação recente sobre isso?

Já prestou atenção que esses assuntos estão sempre na pauta?

Pois é; nós geralmente encontramos um jeito para falar sobre eles em tudo: se você abrir em Cântico dos Cânticos, numa roda de reformados, a explicação do texto vai vir com um breve comentário sobre a soberania de Deus, a responsabilidade humana e a depravação que permeia nossa natureza. Às vezes, a depravação total é vista como a resposta para todo e qualquer aconselhamento. É como se todo problema pessoal ou dúvida teológica fossem resolvidos simplesmente por se mostrar à pessoa o quanto ela é pecadora. Mas a realidade da experiência humana é muito mais complexa que o binômio “orgulho da justiça própria/humildade em reconhecer a própria miséria”. O ser humano é mais complexo que essas duas possibilidades.

Enfim, claro que existem outras palavras-chave, mas que acredito são um pouco menos comuns. (Por exemplo: Dia do Senhor, Princípio Regulador do Culto, Pregação Expositiva, Filosofia Cristã, Cristianismo e Política, Cosmovisão Cristã, Redenção da Cultura, etc.). Não é que essas coisas sejam ruins, em si mesmas: mas o foco acaba se tornando um problema quando ofusca as demais partes da vida cristã. Ou pior: quando consideramos nosso foco como a essência mesma de todo o cristianismo, excluindo todo o resto como meros acessórios. Não podemos cair no erro de colocar um ponto como foco principal, do qual dependem todos os outros. É errado para os pentecostais dizerem: basta buscar o Espírito, que isso vai preencher qualquer lacuna em termos de conhecimento bíblico e doutrina correta. Da mesma forma, é errado para nós dizermos: basta haver pregação bíblica, e isso suprirá eventualmente a frieza espiritual e falta de comunhão, evangelismo e oração.

A ortodoxia não salva, nem é garantia de santificação. É possível haver grande atração pela doutrina ortodoxa sem a prática cristã. Temos de tomar cuidado com o costume de denunciar as falhas pentecostais e neopentecostais, quando algumas de nossas próprias falhas passam completamente desapercebidas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário